Um Fisioterapeuta na Performance

26-03-2018

"O Fisioterapeuta só trabalha com os lesionados", "O lugar do Fisioterapeuta é no Posto Médico", "O quê?! Um Fisioterapeuta na Equipa Técnica?!"... Todas estas são expressões recorrentes no quotidiano de um Fisioterapeuta na área Desportiva... Mas será, de facto, assim?

É relativamente transversal a ideia de haver um Fisioterapeuta nos clubes desportivos. Contudo, este vê as suas funções limitadas ao espectro da reabilitação e intervenção imediata, com a sua preponderância nos restantes domínios das suas competências a serem negligenciados [ver "Papel do Fisioterapeuta"]. Quanto muito, ainda se pondera que o Fisioterapeuta possa atuar ao nível da prevenção. É um cliché relativamente frequente, mas o que quer dizer, ao certo, "um Fisioterapeuta a trabalhar na prevenção"?

Proposta de Pirâmide de Prevenção de Lesões @Football Medicine

Coles tem uma perspetiva interessante no que toca ao primeiro fator que é fundamental num plano de prevenção de lesão. Ao contrário de outros modelos amplamente reconhecidos que colocam a gestão de carga como o fator-base na qual se apoia maioritariamente a incidência, ou prevenção, de lesões [1], Coles propõe outra base para a pirâmide: "Gestão de atletas" [2]. Naturalmente, não se está à espera que seja o Fisioterapeuta, ou qualquer interveniente desportivo à exceção do treinador, a decidir que jogadores contratar, mas Coles reflete sobre de que forma o estilo de jogo de determinada equipa e a adequabilidade do papel tático anterior poderão desempenhar uma influência importante no aparecimento de lesões ou problemas físicos no geral [2]. Isto requer uma relação estreita entre treinador e respetiva equipa técnica e o departamento médico; para além disto, é largamente conhecida a influência do histórico anterior de lesões para a re-incidência; isto apoia a importância de exames médicos e avaliações clínicas prévias à contratação de qualquer novo jogador, que terão necessariamente de ser levadas a cabo pelo Departamento Médico [2].

Proposta de Pirâmide de Prevenção de Lesões por Coles [2]

Para além disso, como é regularmente discutido e abordado acima, a gestão de cargas é quase unanimemente considerada a estratégia primordial para evitar lesões [1]. Ora, se o Fisioterapeuta não puder ter influência na metodologia de treino influenciando este fator, como pode esperar ter um papel relevante ao nível da prevenção?

Portanto, estão expostos alguns dos primeiros motivos pelos quais não será tão descabido contar com o Fisioterapeuta como um profissional de Equipa Técnica, e não só de Equipa Médica.

Prosseguindo, está então bem perspetivado como o Fisioterapeuta poderá atuar ao nível da prevenção de lesões. Contudo, Coles coloca esta influência em causa, uma vez que existe uma reconhecida dificuldade, ainda maior quando o contexto não é profissional, em obter tempo individual com os atletas e, caso este seja inexistente, se de facto a prescrição de um plano induz as alterações a que se propõe [2]. São conhecidos protocolos como os Nordic Hamstrings Exercises [3] e a existência de guidelines como o programa FIFA11+ [4], que poderão ser boas ferramentas uma vez que poupam tempo e aumentam a adesão dos atletas [2]. No entanto, perde-se um dos principais fatores de impacto de um bom programa de prevenção: a sua especificidade para o contexto do atleta.


Assim, idealmente, deve ser perspetivada uma forma de diminuir o risco de lesão de forma, se não inequívoca, pelo menos sustentada com larga evidência pela Ciência Desportiva.

Existe um sem número de estudos que suporta que um bom programa de prevenção de lesões pressupõe o aumento da força muscular [3]. Será expectável que ganhos nesta perspetiva vão aumentar a stiffness muscular e tendinosa - capacitando as estruturas contráteis para absorver e dissipar energia -, aumentar a capacidade de gerar energia e otimizar os ciclos de encurtamento-alongamento [5], que influenciarão fatores como a resiliência a traumatismos e promoverão uma melhoria da saúde muscular no geral.

Para além disto, é hoje uma das áreas mais nobres das Ciências Desportivas a forma como será possível, em trabalho de ginásio, otimizar o rendimento de um atleta. Para qualquer desporto de campo, é necessário que o atleta tenha a capacidade de acelerar e correr em velocidade máxima, saltar e mudar de direção [6].

A ferramenta que é hoje em dia mais discutida nesta perspetiva é a utilização de treino funcional. Classifica-se como treino funcional qualquer atividade que realizada em contexto de ginásio tenha ganhos transferíveis para o rendimento do atleta na sua tarefa [7].

Num estudo de Wisloff [8], este encontrou indicadores claros de uma relação direta entre a força máxima produzida no half-squat e as capacidades de salto vertical, corrida de 10 e 30 metros e ainda corrida vai-vem de 10 metros.

Resultados de Wisloff após um estudo em atletas profissionais de futebol do Rosenborg [8}

Noutro estudo, Cormie et al. evidenciaram que após um programa de 10 semanas, aumentos na força máxima se traduziram em aumentos na tarefa de agachamento com salto [9].

No que diz respeito à tarefa de sprint, Styles et al. exploraram a influência de treinos de força e encontraram fortes indicadores de que quanto maior a capacidade de produzir força, menor o tempo que os atletas demoravam a percorrer a distância de 20 metros [10]. Também Koklua encontrou correlações entre a velocidade no sprint e as capacidade de agilidade e de salto vertical em jovens jogadores de futebol [11].

Quanto às mudanças de direção, Suchomel et al. fazem um raciocínio indutivo partindo de determinados pressupostos biomecânicos. Tendo em conta que o tempo de contacto do pé com o solo numa mudança de direção é maior do que no sprint, eles supõem que há então mais tempo para o atleta recrutar mais força, isto para além de, à semelhança do que acontece no sprint, o atleta ter de recrutar força de forma a tornar a sua biomecânica eficaz e os movimentos do seu corpo coordenados [6].

Ora, então vejamos.

O fisioterapeuta é um profissional com marcada influência na fase de reabilitação e fundamental na passagem do atleta do contexto de bastidores novamente para as "luzes da ribalta" [12]; mas, muito mais que isso, se ao aumentar a força de um atleta estamos a prevenir o (re)aparecimento de lesões, e se a melhoria do rendimento do atleta se dá através da propriedade de força máxima, através de um argumento dedutivo podemos concluir que, sempre que um Fisioterapeuta atua ao nível da prevenção, ele estará necessariamente a induzir no atleta alterações que potenciam a melhoria na sua performance em tarefas de competição.

Como forma de resumo, Malone et al. [13; 14] descreve bem esta relação intuitiva, de forma empírica. Num primeiro estudo, encontraram uma correlação entre aumentos crónicos na gestão das cargas [13] - fator que sabemos então ser da responsabilidade do Fisioterapeuta - e uma redução no aparecimento de lesões ao nível do membro inferior. Posteriormente, no mesmo ano, os mesmos investigadores concluíram que uma melhoria na capacidade de produção de força, repetição de sprints e na sua distância eram indicadores para uma melhor tolerância ao esforço e aumentos na carga de trabalho, o que por sua vez diminuía o risco de lesão [14].

Relação entre os fatores de Força Relativa, Sprint acima dos 20 m e Sprints Repetidos e a incidência de lesão encontrada por Malone et. al [14]

Cabe então ao fisioterapeuta ter as ferramentas e o conhecimento necessários de forma a conseguir, através da capacitação e do know-how, informar aqueles que consigo trabalham de que esta é também uma área de influência do Fisioterapeuta, na qual este poderá ter um papel importante.

Bibliografia

[1] Rogalski, B., Dawson, B., Heasman, J., & Gabbett, T. J. (2013). Training and game loads and injury risk in elite Australian footballers. Journal of Science and Medicine in Sport , 499-503.
[2] Coles, P. A. (2017). An injury prevention pyramid for elite sports teams. British Journal of Sports Medicine , 1-3.
[3] Attar, W. S., Soomro, N., Sinclair, P. J., Pappas, E., & Sanders, R. H. (2017). Effect of Injury Prevention Programs that Include the Nordic Hamstring Exercise on Hamstring Injury Rates in Soccer Players: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Medicine , 907-916.
[4] FIFA (2012). FIFA11+ Um programa de aquecimento completo para prevenir lesões no futebol. FIFA Medical Assessment and Research Centre .
[5] Powers, S., & Howley, E. (2004). Exercise Physiology - Theory and Application to Fitness and Performance. Manole.
[6] Suchomel, T. J., Nimphius, S., & Stone, M. H. (2016). The Importance of Muscular Strength in Athletic Performance. Sports Med , 1419- 1449.

[7] Baechle, T. R., & Earle, R. W. (2008). Essentials of Strength Training and Conditioning. Nebraska: Human Kinetics.

[8] Wisløff, U., Castagna, C., Helgerud, J., Jones, R., & Hoff, J. (2004). Strong correlation of maximal squat strength with sprint performance and vertical jump height in elite soccer players. British Journal of Sports Medicine , 285 - 288.
[9] Cormie, P., McGuigan, M., & Newton, R. (2010). Influence of Strength on Magnitude and Mechanisms of Adaptation to Power Training. MEDICINE & SCIENCE IN SPORTS & EXERCISE , 1566 - 1581.
[10] Styles, W., Matthews, M., & Comfort, P. (2015). Effects of strength training on squat and sprint performance in soccer players. J Strength Cond Reserv .
[11] Köklüa, Y., Alemdaroglu, U., Özkanb, A., Kozc, M., & Ersöz, G. (2015). The relationship between sprint ability, agility and vertical jump performance in young soccer players. Science & Sports , e1-e5.
[12] Hoover, D. L., VanWye, W. R., & Judge, L. W. (2016). Periodization and physical therapy: Bridging the gap between training and rehabilitation. Physical Therapy in Sport , 1-20.
[13] Malone, S., Owen, A., Mendes, B., Hughes, B., Collins, K., & Gabbett, T. J. (2017). High-speed running and sprinting as an injury risk factor in soccer: Can well-developed physical qualities reduce the risk? Journal of Science and Medicine in Sport .

[14] Malone, S., Hughes, B., Doran, D. A., Collins, K., & Gabbett, T. J. (2018). Can the workload-injury relationship be moderated by improved strength, speed and repeated-sprint qualities? Journal of Science and Medicine in Sport .

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