Trigger Points

07-07-2018

O conceito de Trigger Points é hoje em dia amplamente discutido em contexto de Medicina Física e de Reabilitação, com um grande debate intra e inter-classes acerca da sua existência. Estes estão (alegadamente) presentes em cerca de 20% da população [1], sendo que são a causa da dor musculo-esquelética presente em 85% dos pacientes que se apresentam em contexto de clínica [2].

O que está por trás desta teoria e de que forma a Ciência a confirma, apoiando estes dados epidemiológicos? 


Trabalhos de Simons

Ainda que os primeiros indícios e referências a trigger points remeta ao início do séc. XX [3], foi Simons em 1996 começou por introduzir em contexto científico o conceito de trigger points por oposição a Síndrome Miofascial. Sendo que o primeiro é uma afeção muscular local e com características específicas, a segunda pode ser constituída por uma série de outros achados clínicos musculares, vulgarmente caracterizados como dor muscular ou síndrome regional de dor, com uma afeção mais global [4].

Simons estudou na altura 6 sinais clássicos encontrados por examinadores treinados e experientes e a sua fiabilidade no que dizia respeito ao achado clínico compatível com a presença de um trigger point. 

[Simons começa neste estudo a fazer uma reflexão interessante sobre de que forma esta experiência e conhecimento influencia o desempenho do examinador ao avaliar determinada condição - o que, por si só, faz sentido, mas que apresenta uma importante limitação para se considerar a avaliação fiável.]

Ainda assim, é o próprio autor a referir que estes achados clínicos são ambíguos dado que muitas vezes estes são encontrados em indivíduos sem a condição clínica em questão

Assim, houve uma tentativa de uniformização dos conceitos relacionados com o estudo de trigger points: taut band diz respeito à zona muscular que, sob palpação, se assemelha a uma corda. Quando sinaliza dor, este refere-se um ponto sensível (tenderness point). Dor referida é a dor que, à distância, o paciente sente através da palpação do local sensível ou não. LTR (Local Twitch Response) pode ser traduzida através de uma contração involuntária do músculo quando pressionado o ponto doloroso, ao qual se diz estar associado o jump sign que é a reação de dor espontânea e de evitamento ao toque que o paciente experiencia. Segundo a literatura relativa ao assunto, quando dois destes cinco sinais estão presentes, é possível afirmar-se que estamos na presença de um trigger point [5]

Simons propõe, contudo, a existência de trigger points latentes e ativos.

Em termos fisiopatológicos, Simons propõe então o desenvolvimento de trigger points latentes em zonas musculares com alguma hipertonia, o que, associado a fatores mecânicos, pode despoletar os outros sinais e assim criar um trigger point ativo [4].

Publicações e perspetivas mais recentes passaram a abordar a existência de trigger points, mais do que como apenas uma condição mecânica, como uma condição neuromusculo-esquelética, hipótese sustentada por achados eletromiográficos e pela negação de alguns dogmas prévios relativamente à existência de sinal elétrico em terminações musculares "saudáveis" [3].


Bioquímica

De acordo com esta hipótese de uma forte componente de mediação neural, Shah e Gilliams [6] estudaram a presença de mediadores inflamatórios no local proposto para a existência de trigger points e na sua vizinhança. Estes encontraram uma série de substâncias aumentadas (neuropéptidos, catecolaminas e citocinas) o que, por si, os levou a levantar a hipótese de ser de facto possível localizar histológica e bioquimicamente pontos musculares com sobreativação condizentes com a clínica dos trigger points.

No mesmo ano, alguns dos mesmos investigadores voltaram a estudar esta sopa inflamatória proposta à vizinhança de trigger points em indivíduos com sintomatologia, com trigger points latentes ou sem sintomatologia [7]. Para este estudo, dividindo os indivíduos em 3 grupos (3 indivíduos por grupo), os investigadores procurarm saber de que forma os grupos diferiam no que respeitava à dor e à abundância de marcadores inflamatórios. Para isso era colocada uma agulha na vizinhança de dois pontos (um no trapézio superior e um no gastrocnémio) e despoletada uma twitch response nos indivíduos com trigger points ativos ou latentes (nos normais não se verificou).

Os indivíduos com trigger points ativos referiram mais sensibilidade (recorrendo a um algómetro de pressão), com uma dor mais intensa aquando da pressão e com menores limiares de sensibilidade (não sendo estes últimos expressos por uma diferença estatisticamente significativa).

Quando às substâncias pró-inflamatórias, foram encontrados resultados compatíveis com exacerbação deste processo nos locais junto aos trigger points, especialmente no grupo em que estes se encontravam ativos.

Ainda que apresentando uma perspetiva interessante, este estudo apresenta um grande revés, que é a utilização de um número amostral muito reduzido (n=9).


Imagiologia

Num estudo de caso, Chen et al. [8] analisaram de que forma a suspeita de trigger points se verificava aquando do estudo por imagiologia. Para isso, fizeram uma pequena alteração no normal uso da Ressonância Magnética, utilizando um gel específico e uma modulação diferente do sinal, exame ao qual chamaram Ressonância Magnética Elastográfica. Os achados são extremamente interessantes, uma vez que a onda se comportou de forma diferente em tecido muscular íntegro e em tecido a priori disfuncional. 

Este achado, replicado em ambos os sujeitos estudados neste projeto, levanta boas hipóteses no que diz respeito à imagiologia para suportar a existência de trigger points. Não é no entanto de descartar o baixíssimo poder estatístico deste estudo, que teve um n amostral de apenas 2 (n=2), representando um estudo de caso e não podendo ser tido em conta de forma séria em termos de literacia científica fiável.


Revisão Sistemática de Tough et al. [1]

Abordando a forma como os critérios clínicos eram utilizados no diagnóstico da Síndrome Miofascial, Tough et al. verificaram que não existia consenso quer entre guidelines na literatura disponível, quer entre experts.

Mesmo o critério mais utilizado, ou seja, o ponto doloroso numa banda muscular sensível não foi utilizado de forma universal nos estudos abrangidos pela revisão sistemática.

Segundo estes autores, o estado-da-arte para o diagnóstico clínico de um trigger point indica que não existem ainda sinais clínicos concretos e específicos, não podendo um diagnóstico que refira esta condição ser considerado fiável devido à grande diversidade e subjetividade dos critérios utilizados.


Revisão sistemática de Myburgh [5]

Myburgh, Larsen e Hartvigsen fizeram uma revisão sistemática onde, supondo que haveria então o consenso (que já vimos não existir) quanto aos critérios de diagnóstico, procuraram aferir se de facto após estes serem colocados em prática indicavam a presença de um trigger point, ou seja, procuraram testar a fiabilidade dos procedimentos.

Logo à partida, os autores excluíram anecdotals ou estudos de caso, tendo analisado apenas os RCT's disponíveis (n= 11). Destes, excluíram ainda alguns com omissão de dados, nomeadamente quanto à fiabilidade estatística, ou por inadequação do estudo face ao objetivo. 

Tendo sobrado então 6 estudos para análise, realizaram um levantamento acerca da qualidade dos estudos de que dispunham através da aplicação de uma escala.

[No caso dos estudos que avaliavam a fiabilidade intraexaminador, os pontos 1 e 5 não se aplicavam, pelo que o score máximo era 4].

Eram considerados estudos de alta qualidade aqueles que obtivessem um score acima de 4 para fiabilidade interexaminador e 3 para intraexaminador. Depois disso, era considerada a presença de evidência robusta quando os resultados eram encontrados em mais que um estudo de alta qualidade, evidência moderada quando os resultados eram encontrados num estudo de alta qualidade e consistentes em vários estudo de qualidade baixa, ou evidência fraca quando os resultados eram inconsistentes na literatura.

[Estão assinalados a verde estudos de alta qualidade, a amarelo o de média qualidade, e a vermelho o de qualidade baixa].

Por fim, os autores procuraram então encontrar quais os sinais encontrados pelos examinadores cuja fiabilidade (>0.4) era conclusiva. Estes encontram-se assinalados na tabela abaixo.

Assim, e tendo em conta o reduzido número de critérios que apresentavam boa fiabilidade, é possível concluir que, independentemente dos músculos analisados, os critérios propostos não apresentam uma boa fiabilidade, especialmente interexaminador.


Revisão sistemática de Lucas et al. [2]

Nesta, de um universo de 2591 artigos encontrados, foram utilizados apenas 8. Isto reflete o ponto em que se encontra o estado-da-arte no que aos trigger points diz respeito, uma vez que a investigação apresenta bastantes viés. Alguns dos critérios que implicaram a exclusão dos artigos foram a sua irrelevância clínica para o assunto em questão, a não-exposição da fiabilidade dos dados e o facto de muitos deles tratarem trigger points apenas como a manifestação clínica de sensibilidade local, muitas vezes confundindo ambas e criando uma abordagem ambígua à temática. Mesmo assim, dos artigos escolhidos, vários apresentavam algumas falhas metodológicas, apesar de representarem aquilo que, em teoria, seria um estudo refletido dos sinais clínicos relacionados com a Síndrome Miofascial, ou a sua expressão, os trigger points.

A conclusão a que a revisão sistemática chegou é que, de facto, havia alguma correlação entre a sensibilidade local e a dor com a suposta existência de trigger points, mas sendo a metodologia dos estudos tidos em conta tão pobre, os resultados não podem na verdade ser reportados com fiabilidade. 


Controvérsia

Sendo um dos assuntos mais controversos na área científica, não é de estranhar que já tenha inclusivamente causado algum bate-boca entre investigadores pró e anti-trigger points.

Mais de 10 anos depois de ter exposto pela primeira vez de forma séria à comunidade científica a temática da Síndrome Miofascial e dos trigger points, em 2008 Simons fez uma atualização acerca do estado-da-arte. Suportado pelos estudos já aqui referidos acerca da histoquímica realizados por Shah, que ajudam a explicar a etiologia, e pelo estudo de caso de Chen, que sugere um meio complementar de diagnóstico fiável para a avaliação clínica de trigger points, Simons propõe então que, se eliminadas ambas as questões, muitas vezes as mais levantadas para a aceitação da sua teoria, então a comunidade científica deveria repensar o ponto em que esta se encontra e começar a repensar o paradigma relativamente a esta condição ou disfunção. De acordo com isto, Simons propõe então que a abordagem a este problema passe a ser transmitida aos estudantes e que se potencie o seu conhecimento, para além de se instruir a uma resolução mais ativa e menos baseada em fármacos ou inativação da via nociceptiva ascendente [9]. Para além disso, Simons também refere que terapeutas experientes e com conhecimento da patologia serão então mais capazes de intervir nesta condição, refletindo também sobre o facto de que, por exemplo, a típica utilização de MTP's não é a forma mais eficaz de abordagem, sendo então capazes de definir novos princípios de intervenção.

Em 2015, um grupo de médicos investigadores australianos procura desmontar esta - e toda - a teoria da Síndrome Miofascial e da existência de trigger points. Expondo, assim como Simons fez em 2004, todo o contexto histórico da teoria por trás desta condição, estes referem que as premissas que lhe estão subjacentes foram sempre variadas e nunca de facto confirmadas; para além disso, o surgimento espontâneo de conceitos como "trigger points latentes" para explicar lacunas da teoria inicial ou a classificação de "redundante" o raciocínio proposto na teoria "os trigger points existem porque os músculos que doem têm trigger points", sugerem que esta não passa de uma falácia segundo Quintner et al..

Estes prosseguem ao abordar e contrapôr todos os estudos e propostas de hipotéticas explicações para o fenómenos dos trigger points: a presença de mediadores inflamatórios implica uma resposta inflamatória de origem neural ou muscular, e não necessária e exclusivamente a última, sendo os achados histoquímicos ambíguos; o facto de os achados imagiológicos constarem de metodologias pobres e sem a exposição dos dados que lhes confeririam credibilidade; os achados eletromiográficos - se é que podem de facto ser considerados achados presentes em trigger points - podem dever-se ao simples facto de estar a haver um estímulo invasivo da agulha no músculo; e, a maior das objeções, a grande dualidade de critérios e diminuta fiabilidade na avaliação desta condição. De facto, Quintner et al. chegam mesmo a sugerir duas teorias, díspares daquela que está por trás dos trigger points (Integrated hypothesis) para explicar o fenómeno encontrado na prática clínica: a presença de neurites - inflamação de uma terminação nervosa pela presença de um músculo disfuncional anatómica ou fisiologicamente -, ou a presença de trigger points como a expressão de locais dolorosos à superfície por alodínia secundária nos tecidos profundos, devido a disfunção do Sistema Nervoso [10].

Contudo, não ficaram sem resposta. Dommerholl e Gerber publicaram uma resposta no mesmo ano [11] na qual refletem acerca das considerações críticas à qual a investigação "pró"- trigger point foi sujeita, devolvendo aos intercorrespondentes a necessidade de confirmar as hipóteses que estes levantam como alternativa à fisiopatologia proposta inicialmente por Simons.


Conclusão

A questão dos trigger points é uma questão sensível e curiosa no campo científico. Ao contrário das questões semelhantes sem evidência científica robusta, o que é certo é que a temática também se desmarca claramente de pseudo-ciência. Os autores das suas teorias são os primeiros a apresentar uma atitude reflexiva e a sujeitá-la à revisão dos pares, procurando comprovar as suas premissas através de raciocínios lógicos e sustentados em teorias confirmáveis. Na verdade, aqui não há um lado bom e um lado mau: apenas dois lados que procuram validar, do ponto de vista científico, o seu ponto de vista, ambos com raciocínios plausíveis e aparentemente sem conflitos de interesse e sem uma agenda oculta; o objetivo comum parece ser a compreensão e interpretação de achados clínicos comuns e da intervenção a que estes podem estar sujeitos.

Lucas et al. estabelecem algumas considerações sobre qual o caminho que a investigação deve seguir, que vão de encontro às limitações encontradas pela grande maioria das revisões sistemáticas feitas até hoje. A referência aos achados clínicos por todos os terapeutas em todos os pacientes, a informação em bruto e o desconhecimento dos terapeutas quanto à situação clínica prévia dos pacientes são fatores que têm de ser clarificados pelos estudos. Para além disso, para o contexto e pertinência clínica serem confirmados, os avaliadores deverão ter experiência e interesse na identificação da condição e a identificação dos trigger points deve ser realizada no local exato e não no músculo em que está presente, uma vez que aquando da intervenção, esta é aplicada na entidade (trigger point) e não na estrutura (músculo) [2].

Ainda que os pressupostos sejam interessantes, a pertinência clínica seja evidente e os resultados promissores, o que é facto é que a disseminação e leviandade com a qual se identificam e se atribuem problemas associados a trigger points não são suportadas pela evidência atual. Muito há a ser feito ao nível da qualidade da investigação até que se possa avaliar e intervir, conscientemente, neste tipo de condição.


Bibliografia

[1] E. A. Tough, A. R. White, S. Richards and J. Campbell, "Variability of Criteria Used to Diagnose Myofascial Trigger Point Pain Syndrome-Evidence From a Review of the Literature," Clinical Journal of pain, pp. 278-286, 2007.

[2] N. Lucas, P. Macaskill, L. Irwig, R. Moran and N. Bogduk, "Reliability of Physical Examination for Diagnosis of Myofascial Trigger Points: A Systematic Review of the Literature," Clinical Journal of Pain, pp. 80-89, 2009.

[3] D. Simons, "Reviewof enigmatic MTrPs as a common cause of enigmatic musculoskeletal pain and dysfunction," Journal of Electromyography and Kinesiology, pp. 95-107, 2004.

[4] D. Simons, "Clinical and Etiological Update of Myosfasial Pain from Trigger Points," Journal of Musculoskeletal Pain, pp. 93-121, 1996.

[5] C. Myburgh, A. H. Larsen and J. Hartvigsen, "A Systematic, Critical Review of Manual Palpation for Identifying Myofascial Trigger Points: Evidence and Clinical Significance," Arch Phys Med Rehabil, pp. 1169- 1176, 2009.

[6] J. P. Shah and E. A. Gilliams, "Uncovering the biochemical milieu of myofascial trigger points using in vivo microdialysis: An application of muscle pain concepts to myofascial pain syndrome," Journal of Bodywork and Movement Therapies, pp. 371-384, 2008.

[7] J. P. Shah, J. V. Danoff, M. J. Desai, S. Parikh, L. Y. Nakamura, T. M. Phillips and L. H. Gerber, "Biochemicals Associated With Pain and Inflammation are Elevated in Sites Near to and Remote From Active Myofascial Trigger Points," Arch Phys Med Rehabil, pp. 16-23, 2008.

[8] Q. Chen, S. Bensamoun, J. R. Basford, J. M. Thompson and K.-N. An, "Identification and Quantification of Myofascial Taut Bands With Magnetic Resonance Elastography," Arch Phys Med Rehabil, pp. 1658-1661, 2007.

[9] D. G. Simons, "New Views of Myofascial Trigger Points: Etiology and Diagnosis," Arch Phys Med Rehabil, pp. 157-159, 2008.

[10] J. L. Quintner, G. M. Bove and M. L. Cohen, "A critical evaluation of the trigger point phenomenon," Rheumatology, pp. 392-399, 2015.

[11] J. Dommerholt and R. D. Gerwin, "A Critical Evaluation of Quintner et al: Missing the Point," Journal of Bodywork & Movement Therapies, pp. 1-37, 2015.

[12] J. Dommerholt, C. Bron and J. Franssen, "Myofascial Trigger Points: An Evidence-Informed Review,"The Journal of Manual & Manipulative Therapy, pp. 203-221, 2006. 


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