Tenho um atleta para reabilitar, e agora? 17 artigos com informação indispensável para operacionalizar qualquer reabilitação desportiva
Apesar de se tratar em ambos os casos de condições músculo-esqueléticas, a verdade é que reabilitar atletas é conceptualmente diferente de reabilitar o cidadão comum - na medida estatística em que o atleta irá apresentar condições em que os fatores desencadeantes estão associados a um tipo de exposição que o cidadão comum não está.
Em particular no que diz respeito às condições traumáticas (e ainda que seja extensível às de sobreuso em certa medida), os atletas sofrem lesões em diversas localizações anatómicas, facto que está invariavelmente associado à sua modalidade desportiva, mas também a fatores intrínsecos ao próprio indíviduo.
Se é verdade, e eu já refleti sobre isso (aqui https://www.facebook.com/796976223836949/photos/pb.100063538869677.-2207520000../1697253213809241/?type=3), que um Fisioterapeuta deve estar particularmente adaptado e preparado para intervir no desporto onde trabalha através do estudo de quais as lesões mais comuns, e o respetivo investimento nestas (como propus, por exemplo, para situações em que o contexto nos coloca em contacto particularmente com lesões, e a respetiva reabilitação pós-cirúrgica, do Ligamento Cruzado Anterior (aqui https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/a10-artigos-sobre-lca-para-leitura-obrigatoria/) a verdade é que quando se trabalha com atletas em contexto de clínica é impossível direcionar o estudo para uma modalidade ou disciplina apenas, devido à diversidade de casuística que surge.
Para além disto, os diversos desportos têm diferenças visíveis entre si, e até mesmo dentro do mesmo desporto há diferenças consideráveis nos atletas que o praticam, cada um com as suas necessidades. Depois, cada lesão tem as suas peculiaridades, com complicações, patocronia e fisiopatologia específicas e únicas. Por fim, cada atleta é um atleta, e portanto deveremos ser capazes de realizar, em todos os casos, uma reabilitação individualizada e personalizada ao caso em concreto que temos à nossa frente.
A questão que se nos coloca então, como Fisioterapeutas, é: devo saber TUDO sobre a reabilitação de TODAS as possíveis lesões que podem surgir em TODOS os desportos?
Naturalmente, não. Seria impensável.
Então, o que fazer?!
A parte boa é que, mesmo com todas as suas aparentes diferenças, continua a ser muito mais semelhante aquilo que une os diversos desportos, do que aquilo que os separa - e à semelhança disto, também nos processos de reabilitação que temos de gerir, há muito mais características que os tornam semelhantes do que as nuances que os distinguem.
Assim sendo, o que é bom é que se tivermos um conhecimento global e robusto sobre os princípios fundamentais que devem guiar a nossa prática no que à reabilitação diz respeito, iremos estar muito melhor preparados para então integrar a informação específica da condição (que devemos estudar sempre que assim justifique, em casos com os quais não temos experiência) e das circunstâncias do atleta, permitindo-nos adequar a operacionalização do nosso processo de reabilitação àquele caso em específico.
Viabilidade Tecidular e Histologia
Podemos discutir a magnitude da correlação entre o estado dos tecidos e o grau de aptidão e estado do processo de reabilitação, mas não podemos desconsiderar pelo menos a sua importância relativa. No sentido de promover esta reflexão, este artigo de Peggy Houglum faz um óptimo trabalho, ainda que deva ser lido com algumas reservas, dado o gap temporal e de conhecimento que medeia o momento em que o artigo foi publicado (1992) e aquilo que sabemos hoje em dia sobre os processos de reabilitação.
Atualmente é (ou deveria ser) um facto consumado que qualquer atleta que sofra uma lesão desportiva tem de estar exposto a exercício antes de regressar à competição. Para além dos óbvios benefícios que isso traz em termos de capacidades atléticas que ele necessita para praticar o seu desporto, e que terão de estar presentes a médio-prazo, quando regressar, o exercício adequado e progressivo é a melhor (ainda que não a única) forma de impôr carga aos tecidos, para que eles cicatrizem - seja como for, é indispensável os Fisioterapeutas dominarem o conceito de mecanotransdução para conseguirem adequar, mas principalmente não recear, a exposição a carga mecânica num atleta lesionado. Construído sobre o editorial de Kharim Khan no BJSM de 2009, Sharon Dunn e Margaret Olmedo redigiram esta indispensável revisão narrativa sobre o assunto, auxiliando os Fisioterapeutas no conhecimento que têm de ter para compreender como a carga que estão a impôr num tecido está a promover a sua adaptação - premissa básica para depois compreender como o exercício funciona.
Filosofia operacional
Todas as reabilitações, durem elas 10 dias ou 10 meses, passam mais ou menos pelas mesmas fases - aguda, sub-aguda, fase de reforço, fase funcional e fase de retorno à competição. O grau de atividade do atleta e a extensão da fase poderá variar, mas os princípios mantêm-se sempre mais ou menos comuns: princípios esses que Magali Fournier eloquentemente evidenciou na sua sua revisão narrativa de 2015.
Ora, a partir do momento em que sabemos quanto tempo (mais ou menos) o atleta terá de ficar de fora, podemos fazer um exercício de engenharia reversa para determinar que capacidades ele terá de evidenciar quando for para regressar à competição. Isto vai, então, permitir-nos determinar qual o melhor caminho para lá chegar.
Como o atleta está lesionado e, por consequência, parado (da sua atividade desportiva), o Fisioterapeuta tem um livre-passe para a partir daqui construir um modelo de progressão no qual as fases subsequentes têm de assentar na aquisição de capacidades prévias - e programá-las no tempo para que estas terminem no momento da alta. A isto denomina-se "periodização".
No Journal of Bodywork and Movement Therapies, que reconheço ser uma revista que leio com (ainda mais) sentido crítico, Joel Beam fez um belo apanhado (ainda que se deva guardar algumas reservas relativamente ao emprego das estratégias de exercício mencionadas) sobre o racional de desenho do processo de reabilitação e da necessidade de integração de estratégias que tenham em consideração e mimetizem gradualmente cada vez mais a modalidade desportiva do atleta.
No fundo, a ideia é muito simples e pragmática: "pega no atleta onde está, e leva-o progressivamente até onde ele tem de estar". E este conceito não é antigo: corria o ano de 1983 quando o Fisioterapeuta Sam Kegerreis propôs um modelo de implementação da reabilitação a que chamou de "progressão funcional", que como o próprio nome indica consiste em ir gradualmente expondo o atleta às demandas que necessita executar quando regressar ao seu desporto.
Dimensão psicológica
Como em qualquer outro caso, os atletas sofrem com as perdas associadas â ausência na participação desportiva - mas só quem já trabalhou com atleta sabe como as suas dinâmicas quotidianas são afetadas (e afetam) outras dimensões da sua vida.
Durante o próprio processo de reabilitação músculo-esquelética existem diversas estratégias (não necessariamente do foro da intervenção - que, se necessária, obviamente deve estar à responsabilidade do psicólogo) que podem ser integradas de forma a minimizar o impacto que a lesão e as suas consequências podem ter.
O seguinte artigo de Leslie Podlog (um nome familiar para quem gosta de ler sobre o tema do impacto nas lesões desportivas na identidade atlética) faz uma óptima revisão deste tema, útil principalmente porque menciona uma série de formas práticas de o minimizar, e que podem ser operacionalizadas no quotidiano pelos clínicos que os acompanham.
Prescrição de Exercício no Atleta Lesionado
O domínio de conhecimento relativo à fisiologia de exercício é, atualmente, indiscutível quando se fala de reabilitar um atleta e devolvê-lo à competição. Desta forma, dominar princípios básicos e fundamentos sobre a prescrição, parametrização e progressão de exercício é mandatório.
E se é verdade que "qual é o melhor exercício?" (que é a dúvida mais frequente) é quase sempre a pergunta errada para uma resposta inútil, é ainda assim importante relembrar que podemos tentar tornar o mais efetiva possível a transferência daquilo que fazemos durante o período de reabilitação para o seu retorno competitivo através de princípios que transformem os ganhos do que fazemos em benefícios (mais) úteis para as tarefas desportivas.
Diferentes expressões de Força
A força do atleta é importante. Mas que força?
Força é um construto abstrato altamente específico da tarefa que se está a avaliar. Felizmente, já lá vai o tempo em que como Fisioterapeutas tinhamos apenas atenção à força máxima na Dinamometria Isocinética, e compreendemos agora que ela é uma parte importante (e basal) de um puzzle muito mais complexo que temos de montar ao longo da reabilitação, através da exposição a estratégias de exercício que visem melhorar outras qualidades de força que são até mais importantes para o fenótipo atlético de quase todas as modalidades desportivas. Isto fica particularmente claro nestes trabalhos, o primeiro do grupo de Luca Maestroni, e o segundo liderado por Matthew Buckthorpe.
Pliometria
Terese Chmielewski é uma fisioterapeuta que tem diversos artigos muito interessantes em diferentes áreas da reabilitação de lesões desportivas. Uma larga parte do interesse das suas produções científicas é que são altamente práticas, conferindo informação facilmente operacionalizável no quotidiano dos clínicos para quem escreve.
Um dos melhores artigos que produziu foi sobre Pliometria e a sua integração nos processos de reabilitação.
Sistemas Energéticos
Também já hoje em dia estamos mais sensibilizados para a necessidade de proporcionar ao atleta uma exposição gradual nas tarefas que ele necessita de realizar no seu desporto naquilo que diz respeito às suas demandas cardiovasculares. Neste artigo em que exemplificam com um caso real, o grupo de Scot Morrison tenta informar sobre como prescrever exercício no sentido de colmatar esta lacuna ainda um pouco presente nos processos de reabilitação dos Fisioterapeutas.
Return-to-Play
Depois de sairmos da marquesa e do ginásio, temos necessariamente de levar o atleta para o contexto onde este terá de desenvolver a sua atividade desportiva. O grupo da Isokinetic, liderado mais uma vez por Matthew Buckthorpe, procurou sintetizar quais as capacidades atléticas que deveriam ser o enfoque a fazer nesta fase e neste meio, e como o fazer.
Ao longo do processo de reabilitação, vamos caminhando com o atleta no sentido de as suas capacidades estarem progressivamente mais próximas daquilo que ele necessita para regressar à sua modalidade desportiva. O problema é que nada é tão transferível para a sua modalidade como... A sua modalidade.
Neste sentido, e tentando evitar saltar etapas, é necessário desconstruir a modalidade desportiva não só na sua dimensão física, mas também noutras como a atencional, que pode implicar interferências do foro técnico, tático, psicológico, emocional, ou outras. A isto, Matt Taberner chamou "contínuo controlo-caos" (que podem ver brilhantemente simplificado pelo Fisioterapeuta Gonçalo Ferreira aqui https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/continuo-controlo-caos-e-a-sua-utilizacao-na-reabilitacao/) - a progressão gradual de um ambiente mais controlado, para um ambiente cada vez mais caótico e semelhante ao desporto propriamente dito.
Por fim, o estabelecimento da alta é uma decisão multi-disciplinar e complexa - quanto mais rápido compreendermos isto, mais eficazmente poderemos também sensibilizar os restantes stakeholders (clínicos ou não) para a necessidade de uma discussão transparente e informada neste momento delicado.
Conclusão
É improvável que simplesmente ler estes artigos capacite quem quer que seja para automaticamente ser ótimo a reabilitar atletas - contudo, parece-me que se forem cumpridas algumas premissas (sendo elas 1) estar no domínio do conhecimento de base necessário para se atuar como profissional de saúde e 2) de facto procurar ter experiência, prática, e operacionalizar estas estratégias com todos os erros e sucessos que lhes estão inerentes) esta literatura pode providenciar uma revisão geral e assim domínio dos conceitos necessários a trabalhar na reabilitação com atletas. Esta literatura não constituirá conhecimento suficiente, mas constituirá certamente conhecimento necessário a que sejamos melhores profissionais nesta área de intervenção.