Sindesmose Tibiotársica

24-06-2018

Anatomia

Uma sindesmose é definida como uma articulação com dois ossos adjacentes ligados por uma membrana ou ligamentos [1].

Sindesmose tibiotársica é um termo usado na literatura pra descrever a relação entre as porções distais da tíbia e do peróneo que formam um encaixe para a tróclea astragalina [2]. Nesta conexão, para além da membrana interóssea, e como seu prolongamento [3], existem 3 ligamentos com propriedades e orientações diferentes - são estes o ligamento tibioperoneal interósseo (LTPI), o ligamento tibioperoneal anterior (LTPA) e o ligamento tibioperoneal posterior (LTPP) [2].

Figura 1 Anatomia Óssea e Ligamentar da Sindesmose Tibioperoneal [3]

Alguns autores como Hermans et al. [1] descrevem ainda um quarto ligamento denominado Ligamento tibioperoneal transverso (LTPT).

Ligamento tibioperoneal Interósseo (LTPI)

É a continuação direta da membrana interóssea. A sua orientação é latero-distal em direção ao peróneo; para além disso, uma pequena quantidade de fibras tem uma orientação contrária ou transversal, o que lhe confere um aspeto piramidal [2] [4]. Esta "pirâmide" encontra-se superiormente a cerca de 4/5 cm e a sua baste dista cerca de 1/2 cm da interlinha articular da tíbia com o astrágalo [2].

Anteriormente encontra-se o ligamento tibioperoneal anterior, e posteriormente o ligamento tibioperoneal posterior, que estão contudo separados deste por um espaço bem delimitado [2]. Possui uma pequena abertura através da qual atravessa o ramo perfurante da artéria peroneal [3].

Ligamento tibioperoneal anterior (LTPA)

Este ligamento tem inserção proximal no bordo latero-distal do tubérculo anterolateral da tíbia e inserção distal ao longo do bordo anterior do peróneo. A sua origem proximamente é mais larga que a sua inserção no peróneo [4] e tem uma orientação de aproximadamente 30º que vai diminuindo, o que lhe confere uma forma trapezoidal [2]. Cerca de 20% do seu comprimento é intra-articular [1].

Bartonícek [2] divide-o em 3 porções, ao passo que Williams et al. [4] relatam a existência de 3 a 5. À medida que se caminha distalmente, estas bandas, inicialmente mais curtas, tornam-se mais longas e robustas [3]. A porção superior é a mais pequena e tem em média 6 mm de comprimento, 4 mm de largura e 3 mm de espessura. A porção média é mais espessa e larga (4 e 10 mm) que a porção inferior (4 e 2 mm), sendo que esta última é a mais comprida (17 mm). As três porções encontram-se separadas umas das outras por espaços de aproximadamente 2 mm [2].

Figura 2 Ligamento Tibioperoneal Anterior (LTPA) [4]

Ligamento tibioperoneal posterior (LTPP)

Também com uma forma aproximadamente trapezoidal [2] mas com uma angulação de cerca de 20º [5], este é constituído apenas por duas porções. A proximal tem origem no tubérculo posterior da tíbia e insere-se medialmente ao sulco do maléolo lateral, no tubérculo médial do peróneo [4].

Este ligamento apresenta diversas semelhanças com o LTPA, sendo contudo mais espesso. Muitas vezes é difícil dissociar-se da membrana interóssea e da região distal do LTPI dada a sua espessura de cerca de 6 mm. Para além disso, este é ligeiramente mais horizontal que o seu semelhante na face anterior, tendo em média 37 mm de comprimento (13 a porção superior e 24 a porção inferior) e 18 mm de largura [4].

Tanto o LTPA como o LTPP são importantes como adjuvantes da Membrana Interóssea no reforço e estabilidade da região distal da perna e proximal do pé [3].

Figura 3 Ligamento Tibioperoneal Anterior (LTPA) [4]

Ligamento tibioperoneal transverso (LTPT)

O LTPT tem uma orientação contrária à dos restantes ligamentos da sindesmose tibio-társica. Este tem origem na fossa maleolar peroneal e as suas fibras estendem-se até à face posterior da tíbia, podendo mesmo nalguns casos chegar à região posterior do maléolo medial, com um comprimento entre 22 e 43 mm [1]. Esta característica faz com que algumas das suas fibras façam mesmo parte do ligamento intermaleolar (LIM).

A existência de ambos, tanto do LTPT como do LIM, é muito controversa, com alguns autores a considerarem que estes são parte integrante da porção inferior do LTPP e outros a considerarem-nos ligamentos isolados [6] [1] [7].


Biomecânica

A sindesmose tibiotársica é uma articulação entre a superfície convexa do peróneo e a superfície côncava do tubérculo anterior distal da tíbia. Esta promove estabilidade no tornozelo para o movimento, nomeadamente na atividade de marcha [8].

Em condições normais, o peróneo apresenta movimento fisiológico nos sentidos medial, lateral, proximal e distal, em pequenas quantidades. Contudo, caso não houvesse uma estabilidade nesta articulação e o peróneo de deslocasse, isto iria implicar o movimento conjunto também do maléolo lateral, que, devido à sua relação íntima com o astrágalo para o movimento, o seguiria [9].

Ogilvie-Harris, Reed e Hedman realizaram em 1994 um estudo para aferir de que forma os diferentes ligamentos contribuíam para a restrição de movimentos e consequente estabilidade observada na sindesmose tibiotársica. Através de dissecação de 8 cadáveres, estes mediram qual a força necessária aplicar à articulação em causa de forma a mover o peróneo 2 mm, seccionando de seguida diferentes ligamentos e medindo a força necessária novamente, podendo assim verificar qual a proporção em que cada um dos ligamentos atua nesta resistência. O valor médio de força a plicar foi de 87 N e os ligamentos que segundo a sua experiência mais contribuíram para a resistência foram o LTPA, a porção profunda do LTPP e por fim o interósseo, que entre os três dividiam mais de 90% da resistência ao movimento. O LTPP superficial apresentou uma contribuição muito pequena nesta tarefa de estabilidade [8].

Relativamente à marcha, a fase em que existe uma maior sobrecarga das articulações do membro inferior, nomeadamente do tornozelo e tornozelo superior, é a fase média de apoio [9], sendo que Beumer et al. [10] encontrou correlação entre hipermobilidade do tornozelo e translação anterior e posterior do peróneo aquando da colocação de carga, para além da translação lateral aquando do movimento de flexão plantar para flexão dorsal.

É possível então observar que em termos biomecânicos esta articulação é de especial importância, sendo responsável pela congruência articular do tornozelo - fundamental para receber carga na marcha -, pela transmissão de forças entre a tíbia e o peróneo, e por, apesar de ambas essas propriedades, ser capaz ainda assim de providenciar o movimento necessário à articulação.


Mecanismo de Lesão

O mecanismo de lesão exato da rutura da sindesmose tibiotársica é ainda relativamente desconhecido. Tal como os estudos biomecânicos refletiram, os ligamentos que a constituem atuam para limitar o deslocamento do peróneo em relação à tíbia no movimento de rotação lateral. De facto, 55% de atletas com lesões deste género relataram que estas ocorreram quando colidiram outro jogador com o pé em cadeia cinética fechada e em rotação externa, caíndo de seguida para a frente, o que provavelmente acentuou ainda mais o grau de rotação externa [9]. De facto, segundo Brosky et al. [11]., a rotação lateral é o elemento primordial contribuinte para a lesão, independentemente de estar associado a uma flexão dorsal ou plantar [11].

Ilustração 1 Mecanismo de Lesão da Sindesmose Tibiperoneal [11]

Isto é também suportado pela observação de uma elevada incidência relativa de lesões sindesmóticas em praticantes de ski, que apesar da utilização de botas de ski muito rígidas, apresentam ainda assim um elevado número de lesões desta natureza, facto condizente com a grande rotação externa e o braço de alavanca muito longo a que estão sujeitos durante este movimento [9].

No caso de jogadores de futebol, os mecanismos mais comuns são quando sofrem pancadas na face lateral da perna ou joelho quando o pé se encontra apoiado, causando uma rotação interna da perna em relação ao pé [12].

Ilustração 2 Mecanismo de Lesão em competição (futebol) [9]

Hunt et al. [13] procuraram definir o mecanismo de lesão mais comum e os resultados refletiram achados condizentes com a literatura, demonstrando que a maioria dos atletas não conseguia descrever a forma como se havia lesionado.

Gráfico de Linha 1 Proporção dos diversos mecanismos de lesão da sindesmose tibioperoneal de Hunt et al. [13]


Epidemiologia

As lesões da sindesmose tibiotársica são pouco frequentes em contexto desportivo [9]. Ao contrário de outros fenómenos lesionais do tornozelo, a entorse da sindesmose tibiotársica ou do complexo medial do tornozelo contabilizam apenas entre 10 a 15% dos episódios de lesão relatados [14] suspeitando-se que apenas 1% tem o envolvimento apenas da articulação alta da tibiotársica sem fratura maleolar ou lesão do ligamento deltóide [9]. Apesar de se acreditar que esta é frequentemente subdiagnosticada esta é, ainda assim, relatada como um dos principais fatores preditivos de instabilidade crónica do tornozelo [15], sendo que em inúmeros casos são encontrados sinais de calcificação correspondentes a lesão antigas na sindesmose que não foram convenientemente diagnosticadas. Esta constitui uma das complicações a longo prazo de lesões deste tipo, podendo ainda resultar em ossificação heterotópica, sinostose ou aumento da diástase e disfunção prolongada do tornozelo, levando a uma mecânica articular alterada e alterações degenerativas [9].

Este tipo de lesão varia consoante o tipo de desporto praticado, sendo que é mais frequente em desportos que requeiram mudanças de direção com a presença de contacto ou colisões. Como fatores de risco contabilizam-se o sexo masculino, um nível competitivo alto e a prática de desportos como o futebol americano, andebol, basquetebol e futebol.

Em termos comparativos, este tipo de lesão apresenta-se como mais limitante que outras semelhantes - nomeadamente a entorse lateral do tornozelo -, levando a uma ausência média de 1.4 jogos em atletas de futebol americano, comparada com os 0.04 jogos de ausência nos casos de lesão lateral do tornozelo [9].


Imagiologia

  • Radiografia

Num estudo realizado em tornozelos saudáveis, Shah et al. [16] procuraram identificar as variáveis e respetivas medidas consideradas "normais". As principais medidas do exame radiográfico foram o espaço e sobreposição tibioperoneal na vista AP e espaço e sobreposição tibiperoneal na vista mortise. Os seus resultados vieram contrariar aquelas que eram as diretrizes anteriores estabelecidas por Harper e Keller [17] para o diagnóstico de uma sindesmose tibiotársica disfuncional. Estes investigadores propuseram que quando a sobreposição tibioperoneal era inferior a 42% do diâmetro do peróneo na vista antero-posterior e 1 mm na vista mortise ou quando o espaço tibioperoneal era superior a 6 mm medidos 1 cm acima do limite distal da tíbia, era legítimo suspeitar de disfunção da sindesmose tibiotársica [17]. Contudo, no estudo previamente referido de 2012, Shah et al. discutiram estes dados clínicos. Estes encontraram uma série de indivíduos cujos parâmetros saíam dos padrões sugeridos por Harper e Kelly, nomeadamente no que diz respeito à sobreposição tibioperoneal, sendo que esta poderia nem se verificar na perspetiva mortise. Isto pode dever-se ao facto da variabilidade anatómica normal entre indivíduos, uma vez que muitos apresentavam um tubérculo tibial anterior mais pequeno, alterando os achados imagiológicos [16]. Estes autores sugerem assim que ao contrário do que se pensava anteriormente, o diagnóstico imagiológico só poderá ser considerado quando realizados exames bilateralmente, uma vez que um espaço tibioperoneal de 5 mm pode não indicar uma descontinuidade sindesmótica, a menos que no lado contralateral este seja de 3 mm, sinal que aumenta para 95% a probabilidade de haver disfunção. Assim, estabeleceram como critério preponderante para esta avaliação a diferença entre membros do espaço entre o bordo medial do peróneo e a incisura tibial, sendo que 2 mm na vista mortise - independentemente da rotação lateral induzida (entre 5 e 25º) - podem ser indicativos de lesão [16].

Apesar de todos estes dados, um estudo feito por Vincelette e Laurin [18] revelou resultados interessantes. Neste foram comparados dados radiográficos de atletas e de pessoas sem prática desportiva, ambos assintomáticos e sem nunca terem referidos dores ou lesões nesta região anatómica que os levassem a procurar ajuda profissional. Um dos achados mais comuns foi a presença de calcificação do ligamento tibioperoneal interósseo, que esteve presente em 32% dos atletas, face a apenas 2% do grupo de controlo. Isto revela que muitas vezes a presença de imagiologia respeitante a uma possível lesão pode ser decorrente da prática do desporto em si e não de disfunção [18].

  • Tumografia Computadorizada

Elgafy et al. [19] estudaram, no mesmo tipo de população (assintomática), de que forma os achados imagiológicos podiam ser padronizados, mas desta vez através da Tumografia Computadorizada (TC), uma vez que os autores sugerem que em casos sintomáticos os pacientes poderão não tolerar as radiografias de stress [19]. Neste estudo, mediram a distância entre a ponta do tubérculo anterior da tíbia e o ponto do peróneo mais próximo e a distância entre o bordo medial do peróneo e o ponto mais próximo localizado na tíbia [19]. Estes autores não propõem no entanto dados imagiológicos concretos que indiquem lesão da sindesmose tibiotársica através deste tipo de exame, sugerindo no entanto que este poderá ser mais útil que a radiografia convencional na dedução de uma diástase tibioperoneal.

Ressonância Magnética e Artroscopia 

Ainda que a radiografia e a TC sejam ferramentas úteis no diagnóstico clínico deste tipo de condição, estes apresentam limitações quanto ao estudo da imagem, nomeadamente devido a estas não evidenciarem lesões incompletas ou sem a presença de diástase tibioperoneal [20], a artroscopia é o gold standard para o diagnóstico imagiológico de uma lesão da sindesmose tibiotársica [21], sendo contudo um exame muito dispendioso e invasivo [16].

Os achados clínicos que permitem a esta técnica ser ótima para o diagnóstico desta condição são a descontinuidade da porção profunda do ligamento tibioperoneal posterior, a rotura do ligamento interósseo com uma diástase sindesmótica superior a 2 mm e a fratura condral da porção posterolateral da face distal da tíbia na área da inserção do ligamento tibioperoneal posterior [22].


Diagnóstico Clínico

O diagnóstico clínico em fisioterapia numa condição de sindesmose tibiotársica é delicado e muitas vezes de difícil conclusão. Para além de uma recolha apropriada da anamnese, que deve incluir questões como o mecanismo de lesão, presença de dor na canela ou joelho imediatamente após a lesão, incapacidade de marcha e intensidade e comportamento da dor, é fundamental a realização de testes de diagnóstico específicos com informação pertinente. Os testes clínicos mais comummente utilizados são a palpação dos ligamentos tibioperoneais, dorsiflexão com rotação externa e o squeeze test [21]. Num estudo que procurava testar a utilidade destes testes, Sman et al. utilizaram uma amostra de indivíduos que se apresentaram com dores na região superior da tibiotársica e realizaram, para além da anamnese e dos testes supracitados, a palpação do ligamento deltóide e dois testes funcionais - o salto unipodal em pontas dos dedos e o lunge com deslocamento anterior [21], tentando relacionar a resposta positiva destes com achados imagiológicos contundentes.

Sugeriram como os dados semiológicos mais fiáveis uma dor exacerbada aquando da lesão, dor até à canela ou joelho ou impossibilidade de caminhar. No que diz respeito aos testes, concluíram que a palpação e a dorsiflexão com rotação externa não tinham sensibilidade e especificidade absolutas, contudo, quando davam sinal positivo, a utilização do squeeze test podia ajudar no diagnóstico diferencial de uma lesão da sindesmose tibiotársica, descartando uma entorse do compartimento medial do tornozelo. Nos testes funcionais, o lunge não revelou ser útil como uma atividade funcional para o diagnóstico de uma lesão na, sendo o salto unipodal um bom teste preditor a ser introduzido na clínica [21].

Numa revisão sistemática realizada por alguns dos mesmo autores, estes propõem algumas implicações na prática clínica aquando da apresentação de um caso de lesão da sindesmose tibiotársica. Para além de confirmarem que a utilização de apenas um dos testes é insuficiente para tirar conclusões, estes também encontraram uma fiabilidade intra e inter-observador baixas [23], o que indica a necessidade de maior investigação no que diz respeito à avaliação clínica desta condição.

Para além disso, num estudo levado a cabo no Brasil, investigadores procuraram saber de que forma o diagnóstico clínico era coincidente com achados imagiológicos na Ressonância Magnética [24], e concluíram que muitas vezes lesões na sindesmose tibiotársica eram mal diagnosticadas como entorses do tornozelo, o que poderá ter implicações clínicas graves dada a disparidade do prognóstico subjacente, uma vez que uma lesão da tibiotársica superior pode demorar em entre duas a quatro vezes mais a ser reabilitada [13] [21].


Intervenção

Podem definir-se essencialmente 4 fases distintas na abordagem conservadora a uma rutura da sindesmose tibiotársica, sendo que os seus timings devem ser personalizados e esta divisão deverá ter em conta o grau da lesão encontrado quer através do diagnóstico clínico, quer através dos achados imagiológicos. Casos de grau I ou II (sem diástase tibioperoneal ou com uma diástase pouco significativa) são indicadas para tratamento conservador, ao passo que se a diástase for superior a 2 mm, é proposta cirurgia para fixação com parafusos [25].

As fases são: 1) aguda; 2) subaguda; 3) avançada; 4) retorno à atividade [11].

Tabela 1 Proposta de intervenção baseada na evidência por fases, com os respetivos objetivos e procedimentos

*É importante referir que muitos autores promovem a imobilização precoce da articulação mesmo nos casos de abordagem conservadora, iniciando apenas depois a intervenção. Perspetivas como esta não foram abordadas uma vez que a sua utilização está em desacordo com as novas guidelines de início do processo ativo de reabilitação o mais precoce possível, que definem que quando mais cedo se proceder à mobilização da articulação, menor a morbilidade causada pela rigidez e atrofia muscular decorrente [27] [9]. Não foram contudo encontradas diferenças entre as padronizadas modalidades de RICE e a adoção de uma intervenção em fisioterapia precoce [27].

Gerber [28] definiu a progressão entre fases através do atingimento de determinados objetivos terapêuticos e funcionais. Tendo em conta que a sua subdivisão das fases é diferente daquela aqui exposta, que segue a linha que Brosky et al sugeriram [11], é necessária uma ligeira adaptação. Desta forma, ele propõe que a passagem da fase aguda para a subaguda seja feita quando o edema já desapareceu e o paciente é capaz de deambular sem o recurso a auxiliares de marcha. Para avançar da fase subaguda para a fase avançada da reabilitação, o paciente tem de ser capaz de caminhar de forma eficaz e de realizar saltos estacionários, ambos sem dor [28]. Uma das fases mais importantes da reabilitação é a passagem da fase avançada da reabilitação para o regresso à prática. Assim, é importante o estabelecimento de determinados parâmetros para o retorno seguro à atividade desportiva [9].

Algumas das tarefas funcionais recomendadas são o salto horizontal e vertical unipodal e o tempo de deslocamento unipodal de 10 metros, sendo que em todos estes o atleta deverá obter pelo menos 80% dos resultados obtidos no pé são [11]. Também é importante acompanhar a recuperação da funcionalidade com a cicatrização biológica dos tecidos. Devido a todos estes fatores e à grande preponderância das características histológicas e motivacionais intrínsecas, torna-se difícil estabelecer um prognóstico exato [9]. Posto isto, a alta clínica deve ser a ponderação da avaliação clínica, da aptidão física percecionada e mental do atleta, e dos resultados dos testes funcionais aplicados [15], sendo que a maioria da literatura existente aponta para uma paragem inferior a 8 semanas [11] [26] [9].

Mesmo após o retorno à atividade, e tendo em consideração que lesões ligamentares têm períodos de cicatrização longos até à regeneração completa, a manutenção de treino propriocetivo e reforço e o recurso a estabilizadores articulares é fortemente aconselhado, sendo que este pode ser através das comuns ligaduras funcionais da tibiotársica com um reforço ao nível da articulação alta do tornozelo através da adição de duas ou três voltas de tape nesta zona [11].


Discussão

A anatomia da sindesmose tibiotársica está amplamente documentada, seja por estudos cadavéricos [2] [6] [8], in-vivo através de estudos imagiológicos [19] [17] [7] [16] ou através da utilização e relação entre ambos [24] [4], sendo possível fazer uma descrição precisa da sua apresentação estrutural e do seu comportamento biomecânico. Ainda que com descrições ligeiramente diferentes, como por exemplo na divisão do LTPA em duas ou três porções ou na caracterização da sindesmose em três ou quatro ligamentos dependendo das considerações adjacentes ao LTPA e à assunção de que o LTPT faz parte dele ou não, a biomecânica da articulação parece ser condizente com o estado atual da literatura no que à anatomia diz respeito, sendo que a relevância clínica destas peculiaridades não parece ser suficiente para refletir a necessidade de estudos mais aprofundados. A teoria do comportamento biomecânico, complementada com os estudos realizados por Ogilvie-Harris e Reed [8] na procura das restrições ligamentares da articulação, criaram um raciocínio claro entre o aspeto anatómico e um potencial mecanismo de lesão e a respetiva fisiopatologia.

Contudo, o mecanismo de lesão subjacente a uma rutura dos ligamentos da sindesmose tibiotársica não é unânime [12] [14], e a causa de lesões nestas estruturas é muitas vezes desconhecida, sendo apresentados diversos fatores indicativos do episódio de lesão, como a presença ou não de fratura óssea associada, a graduação da lesão ou o tipo de atividade de lazer ou desportiva associada à execução do movimento que levou á lesão [11] [13] [9]. Para isto contribui o facto de as lesões na sindesmose tibiotársica não serem muito documentadas, sendo que estudos que revelem considerações epidemiológicas, tornando o conhecimento nesta área mais amplo e rigoroso, poderão dar sinais importantes para conhecer o mecanismo associado à disfunção.

Uma anamnese rigorosa, precisa e consistente é o primeiro passo no diagnóstico em fisioterapia. Este pressuposto na avaliação, tendo em conta a difícil descrição do episódio por parte do paciente, implica a maior pertinência de outros achados clínicos, nomeadamente a semiologia e o seu comportamento. Dados como a patocronia e a exacerbação ou atenuação dos sinais e sintomas devem ser pesquisados de forma objetiva e conjugados com os testes sugeridos pela literatura [23]. O estado da arte reflete a imprecisão de muitos dos testes utilizados em contexto clínico [21], e a importância que a imagiologia tem neste tipo de casos [24], sendo que também neste campo se verifica cada vez mais que achados imagiológicos e a presença de disfunção pode não ser uma correlação absoluta [18]. Isto indica que cabe ao fisioterapeuta aprimorar a sua capacidade de avaliação objetiva, procurando aferir quais os testes mais sensíveis e específicos para a determinação da presença ou não de uma disfunção, e se a etiologia desta é de facto na sindesmose tibiotársica e não numa estrutura vizinha ou que para ela refira dor. Isto tem especial pertinência tendo em conta a grande discrepância presente na literatura no que diz respeito ao prognóstico expectável numa entorse da tibiotársica baixa ou alta, especialmente quando esta última tem associados a ela sinais de comprometimento ósseo. Uma avaliação e consequente diagnóstico em fisioterapia têm assim de ser estudados de forma mais contundente, de forma a ser possível intervir na causa da disfunção com maior confiança.

Numa correspondência editorial, Bayer et al. compararam os efeitos de uma intervenção precoce ao invés de um período de imobilização seguido da mesma intervenção no tempo de recuperação de uma lesão muscular. Num estudo com 50 indivíduos, colocados aleatoriamente no grupo de controlo (GC) - terapia tardia - e no grupo experimental (GE) - terapia precoce -, cujo tempo de intervenção diferia em apenas 7 dias (GE começava 2 dias após lesão e o GC começava 9 dias após lesão), foram encontradas diferenças de cerca de 3 semanas mediante a exposição a uma ou outra das abordagens, sendo que a diferença no risco de re-lesão não foi significativo [29]. Neste caso, tratando-se de uma lesão muscular, os efeitos poderão não ser transferíveis para uma lesão ou disfunção articular, nomeadamente numa região tão característica como a tibiotársica alta.

Assim, ao contrário do que acontece em lesões musculares, não existem muitos estudos que avaliem se é possível ou benéfico, e de que forma deve ser feita, uma intervenção precoce após uma lesão ligamentar ou articular. Maior parte dos estudos revistos [11] [26] [15] propõem que haja uma fase de redução de edema e dor, e nesta as estratégias a utilizar eram estratégias passivas como a crioterapia (através dos princípios RICE e PRICE) e a imobilização funcional através de ligaduras ou gesso. Tropp e Norlin [30] estudaram de que forma ambos os tipos de imobilização - ambos permitindo a colocação de carga - interferiam com os parâmetros de recuperação a médio e longo prazo após cirurgia de redução por lesão sindesmótica, e concluíram que a utilização de ligadura funcional, que permitia algum movimento à articulação da tibiotársica, beneficiava - mesmo assim com perdas - os seus utilizadores no recrutamento muscular e na amplitude de movimento a médio-prazo (10 semanas após a cirurgia), e na amplitude articular, especialmente ao nível da dorsiflexão, no longo-prazo (12 meses após cirurgia). É possível depreender destes dados que é fundamental saber se a cirurgia é de facto um recurso estritamente necessário, ou se esta poderá ser evitada, uma vez que a sua execução implica perdas funcionais que se verificam de forma muito prolongada no tempo. Posteriormente, será também fundamental estudar se, em casos em que a cirurgia não é então indicada, uma intervenção em fisioterapia baseada em conceitos de uma abordagem mais ativa de forma precoce como a colocação de carga, mobilização ativa e passiva, e reforço, demonstrará benefícios significativos quando comparada com a exposição dos pacientes a agentes anti-inflamatórios mais passivos como o repouso ou o gelo.

A literatura ainda assenta grandemente em pressupostos hoje em dia discutíveis como a disfunção, e pouco em conceitos como autonomia e capacitação como facilitadores da reabilitação. Assim, estudos futuros poderiam investigar a necessidade da introdução destes conceitos e se de facto eles apresentariam uma melhoria na condição global do paciente e, em último caso, se acelerariam a recuperação sem aumentar o risco de lesão.

A divisão que a literatura faz entre três ou quatro fases distintas para a intervenção nesta região anatómica não se apresenta como particularmente relevante. Sendo que de forma global os princípios e objetivos se mantêm, revela-se então especialmente importante discutir com a pessoa que sofreu a lesão qual o objetivo desta, sendo que muitos deles, atletas de profissão ou atletas de recreação, irão regressar à sua prática desportiva após lesão. Especialmente nos casos em que o surgimento da lesão se dá neste contexto, esta conversa e a sua introdução na fase final da reabilitação torna-se particularmente importante.

Especialmente em contexto desportivo, é então fulcral que o fisioterapeuta conheça o desporto para o qual o atleta terá de regressar, uma vez que a predisposição deste para o regresso e a sua aptidão, quer mental quer física, depende grandemente da exposição e adaptação graduais ao gesto técnico que poderá ter despoletado em primeira instância a lesão. Sendo responsável pela reintegração da pessoa, o fisioterapeuta deverá então ser capaz de montar exercícios que recrutem as capacidades físicas dos pacientes, que testem gradualmente e de forma segura as estruturas biológicas, e que capacitem o atleta - ou não-atleta - de que este se encontra já capaz de regressar.


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  • Realizado por: 

João Noura, Fisioterapeuta Leixões Sport Clube

Marco Paredes, Fisioterapeuta Vitória Sport Clube e Hospital de Fafe


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