Fase de Reforço numa lesão muscular dos Isquio-tibiais

15-10-2018

Tal como foi discutido aqui (https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/cronograma-da-reabilitacao-de-lesoes-musculares/) existe um longo processo desde o monento da lesão até ao momento em que se dá o regresso à atividade após uma lesão muscular dos isquio-tibiais. Como devemos escolher os exercícios, e como os aplicar, na fase de reforço de uma lesão muscular nos isquio-tibiais?

Aparte da importância óbvia das fases inicial (inflamatória) e final (Return-to-Play) na reabilitação - principalmente se a virmos como um sistema de rodas dentadas-, a fase de reforço tem necessariamente de ser ressalvada. Nesta, para além da primeira exposição de maior intensidade ao movimento e da consequente redução da cinesiofobia, dá-se o início à colocação de carga, que irá proporcionar o processo de hipertrofia e as adaptações neurais que permitirão a reorganização do padrão motor ótimo do atleta e a sua capacidade de gerar força, diminuindo o risco de recidiva e otimizando o seu regresso seguro à atividade desportiva.

Contudo, devo perguntar-me: e como faço esse reforço muscular? Utilizo sempre os mesmos exercícios independentemente do local da lesão?

Considerações anatómicas

Os isquio-tibiais são constituídos por 4 porções musculares; duas delas constituem o bicípite femural (cabeça longa [tuberosidade isquiática] e cabeça curta [linha áspera e face lateral do fémur], ambas com insercção distal na face posterior da cabeça do peróneo), sendo que as duas restantes são o semitendinoso [tuberosidade isquiática - face medial do côndilo medial da tíbia] e o semimembranoso [tuberosidade isquiática - face posterior do côndilo medial da tíbia], vulgarmente apelidados de isquio-tibiais mediais. Estes são bi-articulares e atuam, globalmente, como sinergistas para movimentos de extensão da coxo-femural e como os mobilizadores primários no movimento de flexão do joelho. Para além disso, assumem um papel preponderante na corrida, com o seu mecanismo de lesão mais frequente a ser a sua contração excêntrica na fase final de balanço (ou, como é discutido na Medicina Desportiva mais recentemente, pela sua contração isométrica nesta mesma fase).

Anatomia dos Isquio-tibiais (Moore, 1984)


Treino - funcional até onde?

Denomina-se treino funcional todo a metodologia de treino físico cujas consequências se verificam na prática desportiva. Correntemente, os exercícios mono-articulares ou específico para um grupo muscular não são, erradamente, considerados funcionais. Não devemos nunca esquecer-nos que, quando aplicados de forma rigorosa e criteriosa, um bom plano de treinos vai capacitar o atleta e torná-lo mais resiliente a lesões. 

Não existem maus exercícios. Apenas exercícios mal aplicados.

Adam Meakins

Assim, o treino multiarticular é fundamental, uma vez que sabemos que é aquele que implica maiores adaptações neurais - nomeadamente intermusculares. Contudo, não é de todo negligenciável realizar um processo de hipertrofia das estruturas musculares individualizado, que resulta de um aumento do volume de treino.

Em última análise, ganhar força de forma individualizada nos isquio-tibiais, e concretamente numa das suas porções, através das adaptações estruturais (aumento do número de sarcómeros em paralelo e a adequação do ângulo de penação - especialmente importante neste músculo pelo mecanismo lesional observado anteriormente) é um fator altamente importante para o regresso à atividade desportiva.


Que exercícios uso, com que princípio, e como progrido?

Desta forma, e respeitando o princípio da especificidade, é de esperar que quando pretendemos aplicar stress mecânico com vista à hipertrofia, sejamos capazes de verificar com critério qual a estrutura muscular sobre a qual estamos a aplicar estímulo.

Coloquemos um exemplo, exposto no estudo de caso relatado aqui (https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/estudo-de-caso-lesao-muscular-nos-isquio-tibiais/), em que se suspeita de uma lesão muscular da cabeça curta do bícipite femural.

Tendo em conta as várias implicações biomecânicas que isto tem, importa raciocinar de que forma eu poderei então, na fase de reforço, adaptar o plano de exercícios de forma a inicialmente colocar menos stress mecânico na estrutura lesionada. 

Mendéz-Villanueva et al., num estudo em 2016 (resumido de forma brilhante no infográfico apresentado abaixo da autoria de Yann le Meur) estudou quais as porções musculares, e as suas regiões, que eram mais estimuladas por 4 exercícios - flywheel leg-curl, os nordic hamstring curls, deadlift com cinto russo e a extensão na anca com conic-pulley.

MRI-Based Regional Muscle Use during Hamstring Strengthening Exercises in Elite Soccer Players (Méndez-Villanueva et al; PLOS One; 2016)

Voltemos então ao estudo de caso da lesão muscular da cabeça curta do bicípite femural. Numa primeira fase do reforço, eu poderia recorrer a exercícios que não implicassem tanta tensão na porção lesionada (como a extensão da anca com conic-pulley), progredindo quer através do aumento da carga neste exercício, quer através do recurso a exercícios mais estimulantes (como o flywheel leg-curl). Também é discutível que se pudesse realizar este último numa fase mais precoce utilizando cargas residuais, o que é um raciocínio válido: continua a ser necessário ter conhecimento da especificidade do exercício que estamos a aplicar.

Em 2017, Bourne et al. estudaram mais aprofundadamente a ideia de metodologia de Méndez-Villanueva e aplicaram o mesmo princípio a 10 exercícios, listados no inforgráfico (de Yann le Meur) abaixo.

Impact of exercise selection on hamstring muscle activation (Bourne et al.; BJSM; 2017)

Como é possível concluir, existe uma relação, nalguns casos não simétrica, na tensão produzida nos isquio-tibiais mediais vs bicípite femural, sendo que o mesmo processo de raciocínio poderá ser aplicado como fizemos acima. Bourne et al. vão mesmo mais longe no seu estudo e procuram identificar a influência individualizada dos variados exercícios em condições concêmtricas vs excêntricas, o que pode também fornecer indicadores muito interessantes especialmente numa lesão dos isquio-tibiais (como conversado também acima).


Estas considerações cinéticas biomecânicas podem ser interessantes e podem dar pistas e uma rede de segurança ao fisioterapeuta que pretende começar a expôr o seu atleta ao exercício de forma segura. Resta ao fisioterapeuta saber interpretar os dados clínicos que o atleta apresenta, adequar os seus conhecimentos de movimento e exercício ao caso em particular e, assim, progredir de forma gradual e procurando adaptações benéficas decorrentes da sobrecarga progressiva .


Site de Yann le Meur onde estão disponíveis centenas de infográficos simples, intuitivos e extremamente pertinentes:

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