Perfil Força-Velocidade: O que é? Faz sentido usar?
Introdução
Actualmente, existe a necessidade dos atletas, especialmente num nível de elite, se tornarem mais fortes e mais rápidos. Essas necessidades fizeram com que as metodologias do treino de força evoluíssem, nomeadamente em desportos que exijam ações explosivas, como saltos e mudanças de direção. No voleibol, a capacidade dos atletas para saltar é um dos fatores físicos com maior influência no jogo.
Todas as ações balísticas, especificamente o salto, exigem que os individuos acelerem ao máximo a massa corporal, no menor tempo possível [1]. A capacidade de saltar, horizontal ou verticalmente é dependente, principalmente, da velocidade de saída do solo. Pela segunda lei de Newton, esta velocidade é condicionada pela capacidade de gerar o máximo de força sobre o solo [2].
A 2ª Lei de Newton define que a aceleração de determinado objeto é diretamente dependente da Força que lhe é exercida e inversamente proporcional à sua massa.
A literatura aponta a Potência máxima (Pmáx) como a variável que tem mais influência em ações explosivas, como é o salto vertical [3-7].
Com este objetivo em conta, foram desenvolvidos vários métodos de treino para aumentar a potência máxima desenvolvida e consequentemente, a altura de salto.
Ao observar os diferentes métodos de treino, podemos dividi-los em duas categorias: os que pretendem aumentar a força máxima; e os que pretendem aumentar a potência. Nos primeiros, foi verificada uma correlação positiva entre o aumento na repetição máxima (1RM) de agachamento e uma maior altura no salto vertical [8]. Os segundos métodos são normalmente usados após uma fase de treino de força máxima, e o seu objetivo é melhorar a taxa de produção de força (produção de Força por unidade de tempo). Estes incluem exercícios mais próximos da tarefa pretendida, como por exemplo saltos com carga adicional e ainda exercícios pliométricos [8 - 12].
A Potência (P) pode ser definida pelo trabalho (W) em função do tempo (t). Uma vez que o trabalho (W) pode ser definido em função da relação entre a Força aplicada num objeto (F) e a distância que ele percorre (d) - contando que são exercidas na mesma direção e sentido - a Potência (P) também pode ser definida, através de uma relação entre ambas as equações, como sendo proporcional à Força (F) exercida e à distância (d) de deslocamento, depende do tempo (t) da aplicação dessa Força.
De acordo com Wilson et al. [12] há duas ideias contrárias: (a) a percepção de que é necessário usar cargas pesadas (80 - 100% de uma repetição máxima [1RM]) para induzir o recrutamento de unidades motoras rápidas com base no princípio de tamanho [13, 14] e (b) treinar a uma velocidade mais próxima da velocidade real dos movimentos atléticos (usando cargas leves [30 - 40% da força isométrica máxima ou 1RM]) para manter a especificidade da velocidade de treino e maximizar a potência mecânica [15 - 18]. Alguns estudos mostraram que existia vantagem em usar cargas leves (30-40% 1 RM) realizadas a alta velocidade na performance de salto [12, 15], no entanto, outros estudos relataram que treino com carga alta (80 - 100% de 1RM) apresentou vantagens na velocidade de execução do movimento e taxa de produção de força quando comparado com treino de cargas mais leves [19].
O trabalho recente realizado por Samozino & Morin [1, 20, 21] aponta-nos outra variável que se deve ter em consideração para além da Pmax. Esta outra variável é a relação entre a força máxima e a velocidade máxima durante a execução de um determinado movimento.
O Princípio de Henneman caracteriza a progressão de recrutamento de unidades motoras. Segundo este, a intensidade exigida na tarefa irá definir o tipo de fibra recrutada, sendo que quanto mais exigente o estímulo, mais a proporção de fibras tipo II (em detrimento das fibras tipo I utilizadas em tarefas com intensidades menores) usada.
Este Princípio tem, contudo, uma excepção: quanto a intenção de movimento é máxima, independentemente da carga externa ser baixa.
O perfil força-velocidade (perfil F-V), que é uma representação da relação de um indivíduo entre força e velocidade, é de importância crucial, uma vez que incorpora todo o espectro da relação entre força e velocidade, e fornece um teste válido e fiável para monitorizar as adaptações ao treino, que inclui a força teórica máxima de saída (F0) e a velocidade máxima de saída (V0) [1, 21].
Através de estudos
teóricos e práticos, os mesmos autores demonstraram que um indivíduo tem a sua capacidade de saltar
maximizada se o seu perfil de F-V for ideal [1, 21, 22].
O que é?
Para se avaliar o
perfil força-velocidade é necessário que o atleta realize Squat Jumps em
diferentes condições de carga externa. São necessários no mínimo duas
condições, no entanto, são aconselhadas 4 condições diferentes (sem carga
adicional, com 25%, 50%, 75% do peso corporal adicionado) [20].
Após o registo dos valores de altura de salto em cada condição, é traçado o perfil do atleta em questão e comparado com o perfil ótimo.
A comparação do perfil real com o teórico, serve para ajustar o plano de treino consoante as necessidades do atleta.
- Pesar o participante
- Medir a distância entre o trocânter e a ponta do pé (calçado) com o membro inferior em extensão total
- Medir a distância entre o trocanter e o chão na
posição de teste.
Nota: Segundo Samozino e Morin, a posição de teste é a posição de meio agachamento (joelhos a 90º), no entanto, recomendo que a posição de teste seja a posição mais confortável para o atleta realizar um salto vertical sem contra movimento. - Aquecimento.
- O atleta assume a posição de teste (é necessário garantir que a posição é sempre a mesma em todas as condições) e realiza um salto vertical sem contramovimento e sem carga adicional (as mãos são colocadas na cintura para eliminar movimento dos membros superiores).
- Descanso de 1 min entre saltos na mesma condição. O atleta avança para a condição seguinte quando o último salto realizado não é tão alto quanto o penúltimo.
- O atleta realiza o teste nas diferentes condições.
Nota: Segundo Samozino, as condições seguintes devem ser realizadas com uma percentagem do peso corporal adicionado, no entanto, para facilitar o processo, sugiro que a 2ª condição seja SJ com 20kg (barra olímpica) e se acrescente 20kg em cada condição. - O teste termina quando, numa determinada condição, o atleta não consegue realizar um salto vertical superior a 15cm.
- Traçar o perfil (exemplo abaixo) e comparar com o valor teórico.
10. Ajustar o plano de treino de modo a combater as debilidades.
Reflexão
Segundo o proposto
por Samozino e Morin, a avaliação do perfil deve servir como ferramenta para
prescrever o treino físico, no entanto gostaria de propôr uma reflexão.
Em primeiro lugar, só faz sentido usar este método de avaliação e prescrição em atletas altamente treinados, ou seja, se um atleta não consegue realizar um agachamento com o peso corporal, não faz sentido aplicars-se um teste cujo objetivo é realizar um salto de 15 cm com essa mesma carga.
Como tal, deixo a recomendação para apenas se utilizar este método em atletas que atinjam determinado benchmark de força (ex: 1,7xBW de agachamento).
Outra questão que deve ser tida em conta prende-se com a especificidade da metodologia aplicada aos atletas consoante o seu perfil.
Como tal, para ilustrar o meu raciocinio, vamos pensar em 2 exemplos bastantes distinitos.
1) Atleta de halterofilismo, cuja necessidade de movimento é a tripla extensão com cargas elevadissimas;
2) Atleta de voleibol, que necessita de realizar saltos sem carga externa a uma velocidade de execução altissima.
Numa perspetiva puramente teorica, vamos assumir que o halterofilista tem um perfil com défice na velocidade e o atleta de voleibol apresenta défice na força.
Deixo então 3 questões:
- Será que o défice por eles apresentado não é uma consequência dos anos de prática da modalidade?
- Sendo que o objetivo deles é serem o melhor possível em diferentes partes da curva, faz sentido tentar modificar o seu perfil para um melhor valor teorico, quando pode ser uma vantagem o perfil estar desajustado?
- É possível fazer alterações significativas no perfil força-velocidade, quando um atleta realiza 150 saltos (sem carga) diariamente? Justifica submetermos o atleta a altos volumes de treino para conseguir essas adaptações?
Faz sentido e, será benéfico e até aconselhado, que os atletas no seu processo de treino trabalhem em todo o espectro da curva força-velocidade, de forma a beneficiar das adaptações que os diferentes tipos de treino trazem.
Determinadas modalidades requerem que o atleta apresenta expressões de força de vários pontos da curva Força-Velocidade. Outras, pelo contrário, são mais específicas.
(Créditos. ScienceforSport)
No entanto, é importante ressalvar que existem caraterísticas próprias das diferentes modalidades que irão influenciar o perfil de cada atleta, sendo que este deverá, em última análise, ser respeitado.
Bibliografia
[1] J. B. Morin, E. Rejc, P. Samozino, A. Belli, and P. E. Di Prampero, "Optimal Force-Velocity Profile in Ballistic Movements-Altius," Med. Sci. Sport. Exerc., vol. 44, no. 2, pp. 313-322, 2011.
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[21] J. B. Morin and P. Samozino, "Interpreting power-force-velocity profiles for individualized and specific training," International Journal of Sports Physiology and Performance. 2016.
[22] P. Samozino, M. Brughelli, P. Gimenez, P. Edouard, J.-B. Morin, and S. Sangnier, "Force-Velocity Profile: Imbalance Determination and Effect on Lower Limb Ballistic Performance," Int. J. Sports Med., 2013.
Texto realizado por:
- Jogador de Voleibol desde os 5 anos
Vencedor da Supertaça, taça de Portugal e Campeonato Nacional 1ª Divisão pelo Sport Lisboa e Benfica em 2018/19
Vencedor da taça de Portugal em 2014 pelo Castelo da Maia
Capitão da Seleção Nacional de Cadetes e Juniores
Campeão Nacional de juvenis e juniores pelo Castelo da Maia. - Fisioterapeuta na área da reabilitação e prevenção de lesões, com especial interesse pela área do treino.
- Licenciado em Fisioterapia pela ESS - Politécnico do Porto em 2017
- Pós-graduado em Strength & Conditioning pela FMH - Universidade de Lisboa
- EXOS Performance Specialist - Nível 1