Ottawa Ankle Rules

31-10-2018

Em todos os contextos desportivos, mas especialmente naqueles em que existem menos recursos, é fundamental ser eficiente e promover a poupança de tempo e recursos. Muitas vezes, após um traumatismo na extremidade inferior do atleta, ficamos em dúvida se o comprometimento é merecedor, ou não, de uma avaliação radiológica; fator que é também importante a ser considerado na intervenção como discutido aqui (https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/imagiologia-trato-aquela-rotura-ou-este-atleta/). Como proceder então quando não sabemos bem o quão extensa é a lesão após um traumatismo na perna ou pé? Enviamos para Imagiologia, ou não?


As lesões da tibiotársica são das mais comuns lesões no desporto, representando cerca de 15 a 20% da totalidade (Junge, A., et al., 2009; Dubin, J. C., Comeau, D., McClelland, R. I., Dubin, R. A., & Ferrel, E., 2011). Estas ocorrerem maioritariamente através de um mecanismo de entorse ou de um traumatismo direto.

(Netter, 2004)

O principal problema surge quando a sintomatologia do atleta suscita dúvidas e a possibilidade de fratura se torna eminente (Matharu, G. S., Najran, P. S., & Porter, K. M., 2010; Hulsker, C. C. et al., 2011).

O traumatismo agudo desta articulação constitui um dos principais motivos de avaliação de doentes nos serviços de urgência estimando-se que apenas cerca de 15% apresentam fratura (Stiell, I. G. et al., 1994; Matharu, G. S., Najran, P. S., & Porter, K. M., 2010). Na maioria das ocorrências é prática frequente a realização de uma radiografia simples, em incidência antero-posterior e de perfil, do tornozelo e/ou pé (consoante as queixas), apesar de cerca de 85% dos exames se revelarem negativos para a presença de fracturas (Stiell, I. G. et al., 1994; Matharu, G. S., Najran, P. S., & Porter, K. M., 2010). Esta prática recorrente para o diagnóstico de lesões da tibiotársica e pé contribui significativamente para custos do sistema de saúde elevados, para o aumento do tempo de espera nos serviços de urgência e expõe pacientes à radiação sem necessidade, na maioria dos casos (Debnath, D., 2004).

Perante este problema, na década de 90, Ian Stiell et al., no Canadá, realizaram uma série de cinco estudos com o objetivo de criar guidelines de modo a tornar o despiste e o diagnóstico destas lesões mais seletivo e eficaz na requisição de métodos complementares de diagnóstico que culminaram na criação das Ottawa Ankle Rules.

Atualmente são commumente utilizadas para identificar pacientes com baixa probabilidade de fratura que não necessitem de exame radiográfico e baseiam-se em critérios objetivos que permitem reduzir o componente subjectivo da avaliação clínica e fornecer indicações específicas para a realização de radiografias, permitindo uma diminuição dos custos hospitalares, da exposição a radiações ionizantes e do tempo de espera nas urgências (Pires, R. E. S., 2014)

De acordo com estas guidelines recomenda-se realização de radiografias da tibiotársica nas seguintes situações (Stiell, I. G. et al., 1994):

Traumatismo do tornozelo e um dos seguintes:

  • Dor ao longo dos seis centímetros distais da região posterior do perónio, extremidade do maléolo externo, ao longo dos seis centímetros distais da região posterior da tíbia e/ou na extremidade do maléolo interno
  • Incapacidade para a marcha (mais de quatro passos) imediatamente após a lesão ou no serviço de urgência

Traumatismo do pé e um dos seguintes:

  • Dor na base do V metatarso e/ou base do navicular
  • Incapacidade para a marcha (mais de quatro passos) imediatamente após a lesão ou no serviço de urgência

Em 2006, ortopedistas portugueses propuseram-se a validar, por amostragem, as regras de Ottawa para a população portuguesa (Rodrigues, P., Rosa, I., & Campagnolo, J. L., 2011). Entre Julho de 2006 e Fevereiro de 2007 foram avaliados 123 doentes no serviço urgência do Hospital São Francisco Xavier - Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (Rodrigues, P., Rosa, I., & Campagnolo, J. L., 2011). A cada doente foram aplicados os testes ortopédicos de Ottawa e efetuada uma radiografia do tornozelo e/ou pé. Este estudo possui as seguintes caraterísticas:

Os resultados tornaram-se bastante interessantes e reveladores. De acordo com o estudo, na população portuguesa, a sensibilidade das regras de Ottawa para detetar fraturas foi de 100% (IC 95% - 89,7% a 100%), tanto para fraturas da tibiotársica como do médio-pé. A especificidade foi de 78,7% (IC 95% - 67,8% a 86,7%) e os valores preditivos positivo e negativo foram de 71,6% e 100%, respetivamente (Rodrigues, P., Rosa, I., & Campagnolo, J. L., 2011).

Como conclusão deste estudo, os investigadores consideraram que nos doentes com lesão do tornozelo e/ou pé e na presença de critérios de Ottawa negativos não há indicação para realizar radiografias, já que a probabilidade de não haver fractura é de 100%. Concluiram ainda que estes critérios aparentam ter potencial para reduzir o número de radiografias necessário em cerca de 51% (Rodrigues, P., Rosa, I., & Campagnolo, J. L., 2011).

Literatura recente tem continuado a apoiar a aplicação destas regras na avaliação e diagnóstico das lesões da tibiotársica e do pé, principalmente quando ocorrem por traumatismo direto.

Em 2003, uma revisão sistemática propôs-se a verificar a sensibilidade e especificidade das regras de Ottawa tendo concluído que estas apresentavam uma sensibilidade extremamente alta enquanto que em relação à sensibilidade os valores encontravam-se no intervalo 26,3 - 47,9% (Bachmann, L. M., Kolb, E., Koller, M. T., Steurer, J., & ter Riet, G., 2003). Ou seja, estas regras apresentariam uma excelente capacidade de avaliar a possibilidade de existir ou não fratura mas não seriam capazes de indicar a localização exata da fratura no caso de serem positivas.

Em 2016 foi publicada uma revisão sistemática que tinha como objetivo rever a evidência atual de modo a verificar se estas regras de Ottawa continuavam com forte aprovação da literatura (Jonckheer, P. et al., 2016). Os resultados desta revisão confirmaram a validade destas regras, com valores de 92 - 100% para a sensibilidade e 16 - 51% para a especificidade (Jonckheer, P. et al., 2016).

No ano seguinte, Beckenkamp, P. R. et al (2017) elaboraram uma revisão sistemática de 66 meta-análises na qual obtiveram valores altos e homogéneos para a sensibilidade (99%) e valores fracos e heterogéneos para a especificidade (28,8 - 42,3%). Concluiu ainda que a sensibilidade destes testes é maior em adultos do que em crianças e que a profissão do avaliador não parece influenciar os resultados (Beckenkamp, P. R. et al., 2016).


Conclusão

Deste modo e em jeito de conclusão as regras de Ottawa são testes simples, rápidos e muito sensíveis para a avaliação imediata da tibiotársica e do pé após um traumatismo. Com um forte apoio da evidência científica devem ser utilizadas como primeira abordagem para despistar possíveis fraturas indicando a necessidade ou não da realização de uma radiografia. 


Bibliografia

Bachmann, L. M., Kolb, E., Koller, M. T., Steurer, J., & ter Riet, G. (2003). Accuracy of Ottawa ankle rules to exclude fractures of the ankle and mid-foot: systematic review. Bmj, 326(7386), 417.

Barelds, I., Krijnen, W. P., van de Leur, J. P., van der Schans, C. P., & Goddard, R. J. (2017). Diagnostic Accuracy of Clinical Decision Rules to Exclude Fractures in Acute Ankle Injuries: Systematic Review and Meta-analysis. The Journal of emergency medicine, 53(3), 353-368.

Beckenkamp, P. R., Lin, C. W. C., Macaskill, P., Michaleff, Z. A., Maher, C. G., & Moseley, A. M. (2017). Diagnostic accuracy of the Ottawa Ankle and Midfoot Rules: a systematic review with meta-analysis. Br J Sports Med, 51(6), 504-510.

Dubin, J. C., Comeau, D., McClelland, R. I., Dubin, R. A., & Ferrel, E. (2011). Lateral and syndesmotic ankle sprain injuries: a narrative literature review. Journal of chiropractic medicine, 10(3), 204-219.

Hulsker, C. C., Kleinveld, S., Zonnenberg, C. B., Hogervorst, M., & van den Bekerom, M. P. (2011). Evidence-based treatment of open ankle fractures. Archives of orthopaedic and trauma surgery, 131(11), 1545.

Jonckheer, P., Willems, T., De Ridder, R., Paulus, D., Holdt Henningsen, K., San Miguel, L., ... & Roosen, P. (2016). Evaluating fracture risk in acute ankle sprains: Any news since the Ottawa Ankle Rules? A systematic review. European Journal of General Practice, 22(1), 31-41.

Junge, A., Engebretsen, L., Mountjoy, M. L., Alonso, J. M., Renström, P. A., Aubry, M. J., & Dvorak, J. (2009). Sports injuries during the summer Olympic games 2008. The American journal of sports medicine, 37(11), 2165-2172.

Matharu, G. S., Najran, P. S., & Porter, K. M. (2010). Soft-tissue ankle injuries. Trauma, 12(2), 105-115.

Pires, R. E. S., Pereira, A. A., Abreu-e-Silva, G. M., Labronici, P. J., Figueiredo, L. B., Godoy-Santos, A. L., & Kfuri, M. (2014). Ottawa ankle rules and subjective surgeon perception to evaluate radiograph necessity following foot and ankle sprain. Annals of medical and health sciences research, 4(3), 432-435.

Rodrigues, P., Rosa, I., & Campagnolo, J. L. (2011). Validation of the Ottawa rules for the Portuguese population: a prospective study. Acta medica portuguesa, 24(5), 713-8.

Stiell, I. G., Greenberg, G. H., McKnight, R. D., Nair, R. C., McDowell, I., Reardon, M., ... & Maloney, J. (1993). Decision rules for the use of radiography in acute ankle injuries: refinement and prospective validation. Jama, 269(9), 1127-1132.

Stiell, I. G., McKnight, R. D., Greenberg, G. H., McDowell, I., Nair, R. C., Wells, G. A., ... & Worthington, J. R. (1994). Implementation of the Ottawa ankle rules. Jama, 271(11), 827-832.


Texto da autoria de Mário Correia

Licenciado pela Escola Superior de Saúde do Vale do Ave, em Junho de 2017, sempre esteve ciente do percurso que pretendia para a sua vida profissional. Acompanhou os escalões de formação do Varzim Sport Clube durante os dois últimos anos de Licenciatura. Após conclusão da sua formação académica iniciou funções como Fisioterapeuta na Equipa Sénior do Varzim Sport Clube durante a Pré-Época de 2017/2018.
Em Outubro de 2017 a sua ligação ao clube terminou e iniciou atividade profissional na Equipa Sénior Feminina do Póvoa Futsal Clube e no Hospital Particular de Barcelos, onde permaneceu durante nove meses. Valorizando a aprendizagem e formação constantes, em Fevereiro de 2018 iniciou a Pós-Graduação em Fisioterapia Desportiva - Especialização em Reabilitação, na CESPU. Já em Junho, a oportunidade de exercer atividade na Primeira Liga de Futebol surgiu, tendo assumido funções como Fisioterapeuta na Equipa Sénior do Moreirense Futebol Clube, onde permanece até ao momento.


Formação:

  • Licenciatura em Fisioterapia pela CESPU-ESSVA (2017)
  • Pós-Graduação em Fisioterapia Desportiva - Especialização em Reabilitação (02/2018 - 02/2019) 
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