O algoritmo da Fisioterapia de sucesso
Como (e o quê) medir para saber se, como Fisioterapeutas Desportivos, estamos a fazer bem o nosso trabalho?
Já noutro momento se abordou de forma ligeira a perspetiva Moneyball (https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/fisioterapeuta-por-25-milhoes/).
Moneyball é um filme de 2011 que retrata a forma como s Oakland Athletics, uma equipa de baseball com um orçamento baixíssimo conseguiram ser competitivos durante anos a fio. Estes fizeram-no através de um algoritmo desenvolvido por um universitário que procurou olhar para o baseball com a perspetiva de alguém que precisava de vencer - e esquecendo futilidades.
Assim, ele refletiu em valores estatísticos as capacidades dos jogadores, e com esta abordagem conseguiu compreender que o mercado da modalidade estava todo mal: andava a pagar-se mal, e a mais, a jogadores cujo rendimento, de forma objetiva, não se refletia num retorno do ponto de vista desportivo. Para isto, usou números e dados concretos ao invés dos comuns "na minha opinião".
Por exemplo, é muito comum no mundo do desporto valorizarem-se atletas mais jovens em detrimento de atletas mais velhos; mas de que interessa isto se os primeiros não derem vitórias, ao contrário dos segundos. Ou, como se reflete no filme, o facto de a popularidade ou aspeto de um jogador implicar uma valorização que, em termos desportivos, não justificava a despesa. Por outro lado, e pelos mesmos motivos, compreendeu que jogadores que eram subvalorizados e por quem ninguém pagava, poderiam dar retornos enormes, nomeadamente tendo em conta o pequeno investimento associado. O que os Oakland Athletics montaram foi um mecanismo objetivo que os tornou mais eficientes.
"It's about getting things down to one number. Using the stats the way we read them, we'll find value in players that no one else can see. People are overlooked for a variety of biased reasons and perceived flaws. Age, appearance, personality. Bill James and mathematics cut straight through that. Billy, of the 20,000 notable players for us to consider, I believe that there is a championship team of twenty-five people that we can afford, because everyone else in baseball undervalues them."
Peter Brand (Moneyball, 2011)
Resumidamente, o fenómeno Moneyball prende-se com ir direto ao assunto e deixar-nos de redundâncias, empirismos e de achismos. Moneyball prende-se, como diria Carl Sagan, com deixar de acreditar e passar a saber que algo resulta.
Orchard aborda este assunto no seu artigo Moneyball..... no qual reflete sobre de que forma esta perspetiva pode ser aplicada a um Departamento Médico.
Mas e para os fisioterapeutas em particular? Como sabemos se estamos a atuar convenientemente? Como sabemos se estamos a ser de facto profissionais competentes e eficientes? Estaremos a afazer as perguntas certas? E a justifcar as respostas convenientemente?
O que se propõe aqui fazer, sendo apenas e só uma proposta, é discutir quais as valências que tornam um Fisioterapeuta no desporto competente, e como medi-la
Os parâmetros escrutinados foram os seguintes:
1. Traços pessoais
2. Capacidade de Empowerment e Educação.
3. Currículo/ Experiência
4. Tempo de paragem dos atletas após lesão.
5. Incidência de lesões
6. Número de recidivas
7. Utilidade institucional

1. Traços Pessoais
É frequente discutir-se que os Fisioterapeutas são os agentes desportivos com quem os atletas têm mais confiança e com os quais estes poderão abrir-se mais facilmente e com isto constituir laços que são úteis para o estabelecimentos de uma relação terapêutica e, com isso, melhorar todos os processos que lhe estão associados. Estas questões do buy-in, estabelecimento de um processo de confiança e de uma identificação pessoal estão bem documentados na bibliografia científica, tendo já sido plenamente identificados como fatores facilitadores de uma putativa reabilitação.
Contudo,
Não existem traços pessoais que se identifiquem como os mais úteis e valorizáveis em qualquer circunstância. A criação de empatia é um fator altamente subjetivo e a mesma pessoa pode criar empatia com uma pessoa e não com outra - é possível mesmo ir mais longe e hipotetizar que, dependendo do contexto, poderíamos não conseguir estabelecer empatia com um atleta com o qual, noutro contexto, conseguiríamos. Para além disto, esta adesão terapêutica torna-se importante e visível no sucesso do processo
Desta forma, sendo certo que determinados traços pessoais são mais apelativos que outros (mesmo isto sendo altamente subjetivo), pode concluir-se contudo que não existem traços pessoais que se possam associar a uma assunção de sucesso. Pode propor-se que pessoas mais extrovertidas, afáveis, simpáticas ou conversadoras serão melhores profissionais... Mas é então nos termos profissionais, aqueles para os quais fomos contratados, que isso se deverá refletir - quando se comprovar que determinadas características pessoais implicam maior sucesso, poder-se-ão propor escalas de personalidade para avaliar a probabilidade de os fisioterapeutas terem sucesso no seu trabalho; até lá, não deveremos tentar assumir-nos por este critério.

2. Capacidade de Empowerment e Educação
Não é nova a existência de queixas associadas a cronicidade em atletas até relativamente jovens. Para além disso, não é também novidade que o mundo do Desporto está associado a uma grande iliteracia, iliteracia esta que o Fisioterapeuta, pelo seu papel de educador, deverá tentar potenciar. A realização de ações de formação e sensibilização junto do restante staff e dos atletas, com a atribuição de procedimentos pedagógicos e formativos é tão negligenciada como pertinente no Desporto de Alta Competição. A diminuição da incidência de queixas álgicas não impeditivas relacionadas a cronicidade (em especial a dor lombar) e a capacitação dos restantes agentes desportivos como por exemplo através do preenchimento de fichas formativas em assuntos como a gestão das cargas ou a influência dos fatores de risco para as lesões desportivas podem ser parâmetros a avaliar na intervenção do Fisioterapeuta, que desta forma capacita e sensibiliza toda a estrutura para a pertinência e adoção de medidas preventivas.

3. Currículo / Experiência
Facto: uma vida profissional mais longa e repleta pressupõe (a priori) uma maior exposição a agentes stressores possivelmente facilitadores da mudança e, consequentemente, do desenvolvimento. A acrescer a isso, um currículo mais vasto, para além deste fator experiência, também pressupõe a frequência a mais momentos de aprendizagem, quer em formações quem na vida real, motivo pelo qual se pode inferir que o profissional será mais capaz.
Contudo,
E à semelhança do ponto
1., não faz sentido que estes fatores sejam levado em conta se depois, na
verdade, estes não se verificam numa melhoria (mensurável) da performance do
fisioterapeuta - e, sendo-o, então não será neste parâmetro. O Currículo e a
experiência poderão ser fatores interessantes a considerar, mas não deverão ser
aquilo em que o fisioterapeuta deve assentar o seu marketing
Ainda neste tópico,
existe uma questão que deve ser discutida: a tipologia dos cursos frequentados pelos
fisioterapeutas. Normalmente, os currículos destes são constituídos pela
licenciatura e possivelmente uma formação pós-graduada, sendo que depois possui
uma infinidade de cursos de fim-de-semana, que normalmente os dotam de formas de
atuar e acesso a ferramentas que de outra forma não teriam. O que pretendo
discutir é que, na verdade, o Currículo deveria ser construído ao contrário -
muito mais material conceptual e de raciocínio, sendo depois complementado com
algumas formações específicas. Isto conceder-lhes-ia maior versatilidade e
flexibilidade de raciocíni, dominando os princípios da sua intervenção e
poupando enormemente em recurso necessários para exercer o seu trabalho.

4. Tempo de paragem dos atletas após lesão
Este critério é um dos mais discutidos quando os fisioterapeutas pretendem vender as suas receitas. "Fiz isto e estas técnicas e tratei uma entorse ligamentar grau 2 em 6 dias". Isto, ainda que (in)felizmente as pessoas leigas à nossa volta não o digam, lesa mais a profissão e o profissional do que os eleva.
Este parâmetro, sendo mensurável e, à partida, uma boa hipótese para servir de indicador, não é mais do que falacioso: na verdade, em momento nenhum, o Fisioterapeuta poderá legitimamente argumentar que reduziu num tempo significativo (para metade por exemplo) o tempo de uma reabilitação de uma condição impeditiva. Está provado que existe uma janela biológica que temos de respeitar - e que é um fator de lata como todos os restantes (cinéticos, cinemáticos, psicológicos, metabólicos) - e que, caso não o façamos e enviarmos o atleta para o campo antes dela terminar, estamos a roçar a irresponsabilidade.
Assim sendo, e sendo que um tempo de paragem demasiado prolongado poderá (ou não) ser da nossa responsabilidade, o que é certo é que não é válido argumentar que um tempo de paragem mais curto que o esperado abona a nosso favor - aliás, à partida, indica é que, talvez, a nossa avaliação inicial tenha sido mal feita.

5. Incidência de Lesões
Este ponto é delicado mas vamos assumir, mais por conveniência que por veracidade, que o Fisioterapeuta é um dos principais responsáveis dentro da equipa multidisciplinar responsável por prescrever e executar um plano multifatorial de prevenção de lesões.
Aqui, claramente, é tão simples como observar a progressão
dos valores de incidência de lesão e verificar se estes se mantêm em valores
relativamente altos quando comparados com o tempo de exposição - especialmente no
que diz respeito a lesões de não-contacto.

6. Número de recidivas
Pegando no ponto 4., muitas vezes acontece o fisioterapeuta
libertar propositadamente o atleta cedo demais, tendo feito um milagre, e depois aparece o azar e leva o atleta de volta ao
Departamento Médico. Se temos ao nosso favor que muitas vezes o processo
atrasar ligeiramente não é culpa nossa, então temos de arcar com as
responsabilidades de quando o processo tem um retorno indesejado. Temos a
responsabilidade de, no processo de reabilitação, capacitar o atleta e
devolver-lhe no mínimo as competências que ele tinha antes de se lesionar;
devendo mesmo aproveitar para o fazer regressar o mais capaz possível. Isto
sim, ira ditar se a nossa intervenção vem sendo eficaz e em linha com a missão
da profissão.

7. Utilidade Institucional
Isto é tão simples como: com a minha função de fisioterapeuta, faço a entidade patronal ganhar/não-perder dinheiro?
Uma ressalva importante a ser feita é que eu substituir o roupeiro ou o motorista não está a fazer a instituição poupar dinheiro - está apenas a desgastar-me em funções que não são as minhas (e provavelmente a retirar-me coapacidade de realizar aquelas que, de facto, são). Se for para poupar dinheiro à instituição ao ser motorista, então que seja contratado como tal e os parâmetros a avaliar serão outros como o gasóleo ou o tempo poupado e os km percorridos.
Não é difícil contudo provar a influência que poderíamos ter tido: se uma instituição teve um atleta que aufere 100 euros parado 10 meses, então a instituição perdeu no mínimo 1000 euros - depende de nós, de acordo com a nossa competência, ousadia e confiança, propôr que, com determinado investimento, reduziríamos as perdas económicas, ao mesmo tempo das desportivas. É, contudo, um movimento arrojado mesmo para o melhor fisioterapeuta do mundo, tendo em consideração a multifatorialidade da lesão.

Enquanto profissão, devemos tentar estabelecer critérios objetivos para medir a qualidade do nosso desempenho e, com isto, aumentar a nossa responsabilidade - só assim seremos realmente valorizados.
Entre estes destacam-se o número de recidivas, a nossa capacidade de educação e empowerment dentro da estrutura e, eventualmente, a nossa capacidade de, num contexto que o permita, reduzir o número de lesões de não-contacto, resultando tudo isto numa maior contribuição para a entidade patronal e sendo responsáveis pela nossa própria eficiência.
Haverá mais parâmetros que devemos medir e, como tal, usar como benchmarking e marketing para a aferição de competência? Algum destes não foi bem analisado?
"Meçam o que pode ser medido. O que não pode ser medido... Tornem mensurável."
Galileu Galilei