Mister, mudei o Departamento Médico

20-05-2019

Porque às vezes não chega ser, é preciso parecer, e porque uma das dificuldades de se iniciar um novo projeto são as barreiras físicas e de infraestruturas, às vezes é necessário dar uma nova cara ao nosso local de trabalho; isto não é apenas para o tornar mais afável, mas também para o tornar mais funcional e otimizá-lo para a operacionalização das nossas tarefas.

O Leça FC, enquanto histórico do futebol português, encontrava-se numa encruzilhada: sem fundos para investir, mas a desesperar por uma atualização.
O Leça FC, enquanto histórico do futebol português, encontrava-se numa encruzilhada: sem fundos para investir, mas a desesperar por uma atualização.

Contexto

O Leça Futebol Clube é um clube amador que competiu, e atingiu a manutenção, no Campeonato Nacional de Séniores na temporada 2018/2019.

O Leça está arredado dos palcos do futebol profissional/semi-profissional há aproximadamente 20 anos, altura em que por um escândalo de arbitragem se viu relegado para as divisões distritais, com um passivo milionário. Nestes, o clube nunca conseguiu atingir a estabilidade pretendida, vivendo épocas de enormes dificuldades financeiras e desportivas.

Na época 2017/2018, o clube conseguiu uma inesperada subida de divisão, catapultando o clube novamente para mais próximo dos patamares desportivos onde já vigorou.

O problema era: o Leça parou no tempo.

Independentemente da boa vontade e abnegação das pessoas que ao longo do tempo foram trabalhando no Leça, ora por falta de competência ora por comodismo, o Leça viu alguma da sua massa adepta desligar-se do clube, as suas infraestruturas degradarem-se e os seus departamentos de apoio ao futebol apagarem-se ou mesmo extinguirem-se.

Exemplo de uma folha encontrada aquando das arrumações, com cerca de 25 anos.
Exemplo de uma folha encontrada aquando das arrumações, com cerca de 25 anos.

O Leça era então muito pouco mais do que os seus jogadores, o seu staff técnico e o apoio de alguns dirigentes e os seus (poucos mas apaixonados) adeptos.

Depois de tanto tempo longe dos campeonatos profissionais, os adeptos Leceiros continuaram sempre exigentes e a equipa acabou por brindá-los com a subida em 2017/2018, apesar do clube ter uma estrutura desagregada e frágil.
Depois de tanto tempo longe dos campeonatos profissionais, os adeptos Leceiros continuaram sempre exigentes e a equipa acabou por brindá-los com a subida em 2017/2018, apesar do clube ter uma estrutura desagregada e frágil.

O Departamento Médico

Após estar no clube desempenhando outras funções, cheguei ao Departamento Médico para trabalhar como Fisioterapeuta.  Neste encontrava-se um massagista, que servia o clube havia já mais de uma dezena de anos (e que acabaou por abandonar ainda antes do inicio da temporada), e outro Fisioterapeuta.

Ainda que os recursos humanos fossem parcos, os recursos materiais eram sofregamente escassos e inúteis.

O Departamento Médico contava com dois espaços físicos contíguos:

  • Uma arrecadação que era utilizado como dispensa para arrumações diversas, e onde eram depositados e "despejados" os materiais inúteis que iam perdendo a utilidade para o dia-a-dia do Departamento Médico. 
    Também neste eram guardadas as águas e outros produtos alimentícios para os intervalos dos jogos.
  • O espaço físico do Departamento Médico propriamente dito, onde decorriam os cuidados prestados aos atletas.

    Neste, encontravam-se 2 marquesas, dois armários em madeira já em bastante mau estado que continham enormes quantidades de materiais, muitos deles com prazo de validade já expirado, um hidrocoletor (sem hotpacks) e uma máquina de gelo picado.

Havia apenas uma entrada para o Departamento Médico, imediatamento junto à entrada da zona dos balneários. Separado destes por uma parede física, entre eles havia ainda a zona do WC e chuveiros, e ainda uma sauna (que não funcionava):

Projeção (não à escala) do Departamento Médico conforme encontrado aquando da entrada da época desportiva 2018/2019.
Projeção (não à escala) do Departamento Médico conforme encontrado aquando da entrada da época desportiva 2018/2019.

Existia ainda um aparelho de infravermelhos, uma máquina de gelo picado e um hidrocoletor. Não havia consumíveis da Fisioterapia, e as estratégias de restrição de movimento (como ligaduras funcionais) eram realizados à base de ligaduras de pano.

O Departamento Médico encontrava-se muito bem apetrechado ao nível de material para sutura, infiltrações, medicação e contenção de hemorragias.


Levantamento de Necessidades

Já aqui (https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/fazer-os-99/) discuti em parte como se "montar" (na minha opinião) um Departamento Médico; pressupõe uma reflexão ponderada do custo-beneficio dos bens adquiridos e do investimento realizado, uma vez que em meios onde o dinheiro não abunda (como se pode perceber que era o caso) interessa mais que nunca ter presente esta ideia de eficiência.

Quando planeadas as mudanças a efetuar, foram ponderadas e hierarquizadas essencialmente com base em:

  1. Dotar o Departamento Médico de material que permitisse a reabilitação dos atletas lesionados;
  2. Aquisição de consumíveis para usufruto em prol dos atletas;
  3. Assegurar formas e estratégias que permitam acelerar ou otimizar a recuperação pós-esforço;
  4. Esbater complicações e restrições proporcionadas pela arquitetónica do espaço;
  5. Demonstrar uma mudança de paradigma e uma atualização para os tempos atuais, refletindo o upgrade necessário decorrente do aumento do nível competitivo.

Isto implicava que a estrutura aprovisionasse o seu Departamento Médico de acordo com estas necessidades, sendo que seria desnecessário (ou supérfluo), realizar investimentos sem que as prioridades anteriores estivessem completas. 

A verdade é que isto não foi bem o que aconteceu. A estrutur pode aprovisionar apenas o ponto 4., e apenas porque este não lhe implicou custos associados.

A mudança de paradigma necessária não foi estabelecida e o clube continuou necessitado das alterações aqui mencionadas.


As mudanças

Uma vez que parecia claro que o clube não ia conseguir, apesar do esforço, cumprir com aquilo a que se havia proposto no que ao Departamento Médico dizia respeito, foi necessário tomar medidas mais assertivas. Isto implicou um investimento privado.

As únicas alterações acauteladas pelo clube foram, conforme pedido, a retirada da sauna e a abertura de uma porta entre o Departamento Médico e o espaço que levava ao balneário (infelizmente, não complementada com a respetiva porta de correr).

Esta mudança foi otimizada através da colocação de um tapete de relva sintética para a putativa realização de exercícios no chão.


Gabinete "Médico"

A reorganização do espaço foi iniciada pelo anexo. Depois de retirados todos os excipientes decorrentes da arrumação do espaço, foi montado um pequeno gabiente onde era possível guardar os registos realizados, bem como levar a cabo conversas num ambiente mais intimista.


Departamento Médico

Após a arrumação do material que se encontrava claramente a mais (até tendo em consideração a sua data de validade), foi possível compreender que os balcões que ocupavam quase todo o redor do Departamento Médico não iriam ser necessários.

De forma a ganhar espaço, foi adquirido um pequeno armário onde se guardaram os consumíveis, dado que é necessário estes estarem à mão de forma prática e funcional.

Neste encontravam-se então tapes e ligaduras, para além de Kinesio e Dynamic Tape e ainda o rolo de Flossing
As prateleiras inferiores serviam para a manutenção do material em excesso.

Armário com prateleiras à mostra para uma acessibilidade rápida e prática ao material.
Armário com prateleiras à mostra para uma acessibilidade rápida e prática ao material.

Foi acrescentada uma marquesa para o caso de ser necessário, e possível, gerir cuidados a mais atletas, colocado de parte o aparelho de infravermelhos e reposicionados o hidrocoletor (agora já com hotpacks) e a máquina do gelo (que, após avariar, foi substituída por um frigorífico).

Também foi reaproveitada uma mesa disponível previamente no clube para a colocação do material para tratamento de feridas, colocada de forma mais acessível possível uma vez que poderia ser necessário recorrer a ela aquando de alguma emergência.

Mesa reaproveitada para a colocação de material para uso urgente (tratamento de feridas) e outros objetos (como Compex, cremes, etc.).
Mesa reaproveitada para a colocação de material para uso urgente (tratamento de feridas) e outros objetos (como Compex, cremes, etc.).

Ginásio

O grande investimento realizado foi mesmo ao nível do ginásio. Este foi considerado a prioridade uma vez que era tido como absolutamente indispensável para acelerar e otimizar a reabilitação dos atletas, permitindo que a lesão fosse um momento para o atleta não só recuperar, como melhorar, os seus índices físicos.

Deste constam:

  1. 1 Barra de elevações
  2. 1 TRX
  3. 1 Passadeira
  4. 1 Squat Stand
  5. 1 Barra Olímpica (com 100 kg disponíveis em discos)
  6. 1 Banco
  7. 1 Barra pequena e 4 halteres (com 75 kg disponíveis em discos)
  8. Várias Bolas Medicinais (5, 3, 2 e 1 kg)
  9. 1 BOSU pequena
  10. 3 Elásticos e 5 Mini-Bands de resistências variáveis
  11. Vários Colchões

Crioterapia de imersão

A crioterapia enquanto estratégia de recuperação já foi abordada aqui (https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/querioterapia/ ). 

Previamente, a crioterapia de imersão já era realizada, sendo que o espaço destinado a esse fim era o jacuzzi (por se encontar avariado).

De forma a evitar questões de falta de higiene (como a manutenção da mesma água durante muito tempo) e de adequabilidade do procedimento (o jacuzzi sendo um espaço demasiado amplo, não arrefecia o suficiente), o procedimento da crioterapia de imersão foi passado para um pequeno recipiente onde os atletas entravam até à cintura.

Antes de entrar, os atletas eram instruídos a passar-se por água, e a água deste era mudada no máximo de semana a semana, sendo o mais frequente mudar-se após cada utilização.

Este é o aspeto final.

Organização geral do Ginásio com a respetiva passagem para  Departamento Médico.
Organização geral do Ginásio com a respetiva passagem para Departamento Médico.

Return-to-Play

Uma área absolutamente negligenciada em termos de responsabilidades do Departamento Médico até aqui era a reintegração no campo dos atletas lesionados. Reflexo disto era a total ausência de materiais com esta finalidade, não só no Departamento Médico, como em todo o clube.

Após alguma procura, foi possível recuperar algum material que se encontrava "parado", como cones, escada de agilidade, estacas ou aros, que poderão ser úteis a providenciar algum estímulo diferenciado no que diz respeito ao Return-to-Play.


O Departamento Clínico do Leça estava, assim, absoluta - ainda que apenas minimamente - apto a fazer face às diversas fases de um processo de reabilitação, fosse qual fosse a condição em questão.


Discussão

  • O que ainda há a mais?

Ainda se encontra no Departamento Médico material que, por insistência de parte da restantes estrutura. não foi colocado de parte. O caso mais claro é um ultra-som que se encontra obsoleto.

Material obsoleto, como Ultra-som.
Material obsoleto, como Ultra-som.
  • O que ainda falta?

A verdade é que, idealmente, o investimento está ainda longe de ter suprido todas as necessidades encontradas. Se possível, seria interessante investir em uma ou outra máquina de ginásio (como uma leg extension, leg curl ou uma híbrida), ou eventualmente uma máquina com um maior número de funcionalidades de forma a apresentar uma maior eficiência através de um espectro de utilidade maior.

Seria também interessante adquirir mais um recipiente para a realização da crioterapia de imersão, de forma a tornar mais rápido os "banhos de gelo" no final do treino.

A colocação de uma porta de correr entre o Departamento Médico e o Ginásio assume-se quase como um "luxo", mas iria implicar um maior conforto e comodidade, nomeadamente aos atletas em tratamento dentro do primeiro.

Em último caso, ainda que a possibilidade fosse reduzida devido à necessidade do avultado investimento, seria interessante a aquisição de um meio eletrofísico mais recente em detrimento do disponível (como abordado acima) como um aparelho de correntes combinadas.


Conclusão

A verdade é que este processo foi moroso e complicado. A falta de apoio estrutural devido às aparentes condicionantes financeiras do clube, juntamente com o contexto amador e a impossibilidade de encarar o processo com 100% de foco tornaram esta tarefa muito árdua, muito desgastante e, acima de tudo, terrivelmente frustrante por se estar a tentar fazer o melhor pelo menos custo, e não haver retorno na mesma medida. Prova disto é que este apenas ficou terminado perto do final da época competitiva.

Apesar disto, o apoio incondicional de algumas pessoas auxiliares no clube e de algumas pessoas da estrutura (de onde se destaca o treinador principal e o departamento de equipamentos) possibilitou a tarefa, que foi levada a cabo - não se podendo negligenciar o lado afetivo que nutro pelo clube - essencialmente por brio pessoal e profissional.

Aspeto panorâmico do Departamento Médico + Ginásio.
Aspeto panorâmico do Departamento Médico + Ginásio.

Se é verdade que o nosso papel no sucesso deportivo é secundário (https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/medicina-desportiva-aprender-a-envergar-o-habito-de-secundario/ ), não deixa de ser gratificante quando tudo corre bem e quando somos, apesar de tudo, parte integrante do processo.

O Leça acabou, justa e arduamente, por festejar a manutenção na Série B do Campeonato Nacional de Séniores.
O Leça acabou, justa e arduamente, por festejar a manutenção na Série B do Campeonato Nacional de Séniores.

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