Kinesio Taping

24-04-2018

Será moda? Será eficaz? O que faz o Kinesio Taping ser tão apelativo? Recorremos à sua história, aos seus efeitos e à evidência disponível para procurar saber.

História

Tudo se tornou sério em 2003, quando David Beckham foi visto pela primeira vez a utilizar uma série de bandas coloridas nas região postero-lateral do tronco, ao que tudo indica para tratar uma "disfunção das costelas" [1]. Desde aí, diversos atletas como Serena Williams e Lance Armstrong foram vistos a utilizar fitas coloridas em toda a espécie de regiões anatómicas. O grande boom deu-se com os jogos olímpicos de 2008 em Pequim, onde a voleibolista Kerri Walsh dominou de forma contundente o circuito de pares do voleibol de praia, enquanto utilizava kinesio em redor do seu ombro direito.

Contudo, o Kinesio Taping já existe há quase 4 décadas. Criado pelo quiroprata japonês Kenzo Kase em 1979, uma longa lista de feitos e conquistas foi conseguida ao longo dos anos pela Kinesio, que é uma junção de 3 instituições, destinadas ao ensino e disseminação da aplicação do Kinesio Tape [3]. Em termos institucionais, e provavelmente aquele que foi o maior landmark da empresa e que despoletou o seu reconhecimento mundial, foi a associação oficial aos Jogos Olímpicos de Pequim 2008 - isto a par dos supostos contratos publicitários [4]... 

O que é certo é que tão antigo quanto a disseminação do uso das fitas de Kinesio, é o ceticismo quanto à sua eficácia. A par das suspeitas e teorias do seu uso relacionado com os tais contratos publicitários, a própria agência noticiária Reuters relacionada com a disseminação de noticias, entre outras áreas, na saúde e tecnologias, escreveu em 2012 (ano de Jogos Olímpicos de Londres) que a utilização de Kinesio Taping não se prendia com a evidência disponível uma vez que esta era "curta e de fraca qualidade quando comparada com outras fitas elásticas para a reabilitação ou prevenção de lesões". O próprio responsável pela propaganda do Kinesio Taping na Grã-Bretanha reconhecia que a evidência ainda tinha de acompanhar a proliferação do método, e as atletas que usavam o Kinesio não referiam grande interesse nas cores ou aplicabilidade, apenas na "tensão que estas colocavam nos músculos". Onde havia consenso era no ponto em que, qualquer que fosse o prisma por onde se via a situação, havia um poderoso efeito que devia ser tido em conta: o efeito placebo [5].

Então, se não há consenso sequer em para que serve o Kinesio Taping, quais foram os pressupostos fisiológicos subjacentes à sua introdução no mercado e consequente propagação?


Efeitos Fisiológicos

O Kinesio Tape é definido como uma fita hipoalergénica resistente à água, que procura mimetizar o tecido da pele [6], podendo distender-se até 140% do seu tamanho inicial [7]. Estas propriedades tornam o Kinesio Tape numa fita elástica com propriedades únicas ao nível da elasticidade, aderência, e recoil, o que é hipotetizado aumentar a estimulação do sistema somatossensorial e aumentar o input mecânico e propriocetivo, inibindo, ativando ou facilitando a contração muscular [8,9], para além de outros efeitos relacionados com a sua influência nos fatores mecânicos. Alguns destes são o aumento do espaço intersticial entre a pele e os tecidos subjacentes, permitindo uma melhor drenagem venosa e linfática, a diminuição da dor (provavelmente através da estimulação de mecanorrecetores já referida anteriormente e do "alívio" dos nociceptores subcutâneos e intra-articulares [9]), a facilitação do realinhamento articular e muscular, e a melhoria a congruência articular, o que melhora a sua hidratação e nutrição sinovial [9]. 


Aplicação

A sua aplicação pode ser feita em forma de "I" para músculos pequeno, em forma de "Y" para músculos ligeiramente maiores, e em forma de "X" para músculos grandes e com grande área para cobrir. Esta aplicação pode inclusivamente ser uma combinação de várias tiras e formas [9]. A pele deve estar limpa, seca, e depilada, e as âncoras (extremidades) devem ser colocadas sem tensão sob o risco de criar irritação. De forma simplista, a facilitação ou ativação muscular é conseguida através da aplicação na orientação das fibras musculares com uma tensão de 15 a 35%, ao passo que a inibição é feita no sentido inverso [8].

Isto não dispensa a formação específica necessária para a sua aplicação.


Evidência

Numa nota prévia, Csapo e Alegre realizaram uma análise sistemática a partir da qual, independentemente da relevância clínica (que discutiremos a seguir), concluíram que a utilização de Kinesio e a sua influência num maior recrutamento motor e consequente aumento de força não varia com o grupo muscular testado [7].

Desta forma, no que concerne à atividade mucular, é discutido o efeito positivo que o Kinesio Taping pode ter nesta propriedade. Num estudo de 2013, um grupo de investigadores estudou o efeito do Kinesio em oposição ao efeito de tape normal nas atividades de salto e estabilidade dinâmica. Cada perna dos atletas era alvo de uma das intervenções, sendo que 48h se invertia o esquema. Descartou-se o efeito placebo ao colocar-se uma meia em ambas as pernas do atleta aquando da atividade. Os resultados indicaram que não havia diferenças estatisticamente significativas entre ambos os membros em qualquer um dos testes de saltos horizontal e vertical e na estabilidade dinâmica [10].

Quanto à indução de regeneração muscular, em 2016, Ozmen et al. estudaram o efeito do kinesio na flexibilidade, dor e sprint em indivíduos 2 dias após esforço intenso e sujeitos à aplicação de kinesio. Estes não encontraram resultados que sugerissem que houvesse um efeito positivo, à exceção de uma manutenção na capacidade de flexibilidade, motivo pelo que sugeriram que esta devia ser uma área mais estudada [11].

Desta forma, podemos concluir que maioria da literatura aponta para a ausência de efeitos significativos do Kinesio em indivíduos saudáveis, quer na força, quer na amplitude de movimento, quer na sua transferência para a performance [7,8,11,12].

Por fim, após analisar a evidência no uso do Kinesio Taping em diversas patologias, Morris et al. sugeriram que, mesmo que regra geral o nível de evidência fosse apenas de limitada a moderada, a condição em que o Kinesio Taping poderia eventualmente apresentar alguns benefícios era na presença de linfedema [14]. Ainda assim, sugeria que deveria ser estudado a sua relação custo-benefício. Extrapolando, poderíamos aferir então que eventualmente na tarefa de drenagem o Kinesio poderia desempenhar um papel interessante, mas não existem estudos que abordem a temática.


Estudos analisados pela revisão sistemática de Csapo e Alegre [7]  e a sua dispersão de resultados.
As variáveis estudadas são representadas por símbolos diferentes e a sua legenda encontra-se no canto superior direito.


Conclusão

Desta forma, e sendo que a literatura ainda é muito escassa especialmente tendo em conta a grande implicação de conflitos de interessa na área do Kinesio Taping, não existe evidência científica robusta o suficiente que sugira o uso reiterado desta ferramenta, especialmente em indivíduos saudáveis, como é muitas vezes o caso de atletas.

Colocando tudo na balança, tudo o que sobra é o (não-desprezável) efeito placebo e relatos científicos de baixa fiabilidade científica como os anecdotals ou os case studies (- ver artigo da Football Medicine em anexo), nos quais os intervenientes, ora terapeutas ora pacientes, referem a presença de benefícios após a aplicação de Kinesio Taping.

Respeitando o princípio do sistema de crenças do paciente (efeito pacebo), o Kinesio Taping poderá então ser usado de forma responsável adequada (respeitando os seus princípios específicos através de uma formação de qualidade no procedimento - Clinical Expertise), mas sendo a literatura disponível ainda tão escassa esta torna-se uma ferramenta na qual não se deve depositar demasiada confiança para obter outcomes significativos na intervenção, podendo ser considerada um coadjuvante "residual" da intervenção.

Anexo

Artigo da Football Medicine referente ao Kinesio Taping que contém um testemunho da sua influência positiva 


Bibliografia

[1] Kinesio Taping in Sports: Does the existing evidence match your clinical practice? (6 de Abril de 2015). Obtido em 24 de Março de 2018, de Football Medicine: https://footballmedicine.net/kinesio-taping-in-sports/

[2] Parker-Pope, T. (19 de Agosto de 2008). A Quirky Athletic Tape Gets Its Olympic Moment. Obtido em 24 de Março de 2018, de The New York Times: https://well.blogs.nytimes.com/2008/08/19/a-quirky-athletic-tape-gets-its-olympic-moment/

[3] Kinesio. (2016).History and Background . Obtido em 28 de Março de 2018, de Kinesio: https://kinesiotaping.com/about/our-history/

[4] Dunning, B. (13 de Agosto de 2012). Kinesio Tape: The Evidence. Obtido em 28 de Março de 2018, de Skeptoid.com: https://skeptoid.com/blog/2012/08/13/kinesio-tape-the-evidence/

[5] Reuters. (31 de Julho de 2012). Olympics-Scientists sceptical as athletes get all taped up. Obtido em 24 de Março de 2018, de Reuters: https://www.reuters.com/article/oly-science-tape-day4/olympics-scientists-sceptical-as-athletes-get-all-taped-up-idUSL6E8IV57020120731

[6] Kinesio. (2016). What is Kinesio tape? Obtido em 24 de Março de 2018, de Kinesio: https://kinesiotaping.com/about/what-is-kinesio-tape/

[7] Csapo, R., & Alegre, L. M. (2015). Effects of Kinesio® taping on skeletal muscle strength - A meta-analysis of current evidence. Journal of Science and Medicine in Sport , pp. 450 - 456.

[8] Lemos, T. V., Júnior, J. R., Santos, M. G., Rosa, M. M., Silva, L. G., & Matheus, J. P. (2018). Kinesio Taping effects with different directions and tensions on strength and range of movement of the knee: a randomized controlled trial. Brazilian Journal of Physical Therapy , pp. 1-8.

[9] Kaltenborn, J. M. (2007). Kinesio Taping®, Part 1: An Overview of Its Use in Athletes. Athletic Therapy Today. San Jose, Estados Unidos da América.

[10] Nunes, G., de Noronha, M., Cunha, H., & Ruschel, C. (2013). Effect of Kinesio Taping on jumping and balance in athletes: a crossover randomized controlled trial. Journal of Strength and Conditioning Research , 3183-3189.

[11} Ozmen, T., Aydogmus, M., Dogan, H., Acar, D., Zoroglu, T., & Willems, M. (2016). The Effect of Kinesio Taping on Muscle Pain, Sprint Performance, and Flexibility in Recovery From Squat Exercise in Young Adult Women. Journal of Sport Rehabilitation , 7-12.

[12] Briem, K., Eythorsdottir, H., Magnusdottir, R., Pálmarsson, Rúnar, Rúnarsdottir, T., et al. (2011). Effects of Kinesio Tape Compared With Nonelastic Sports Tape and the Untaped Ankle During a Sudden Inversion Perturbation in Male Athletes. Journal of orthopaedic & sports physical therapy , 328-335.

[13] Parreira, P. d., Costa, L. d., Junior, L. C., Lopes, A. D., & Costa, L. O. (2014). Current evidence does not support the use of Kinesio Taping inclinical practice: a systematic review. Journal of Physiotherapy , 31-39.

[14] Morris, D., Jones, D., Ryan, H., & Ryan, C. G. (2013). The clinical effects of Kinesio® Tex taping: A systematic review. Physiotherapy Theory and Practice , 259-270.

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