XXIX Conferência Isokinetic Medical Group "Football Medicine - The Player's Voice": uma análise

07-06-2022

Nos dias 4, 5 e 6 de Junho de 2022 realizou-se em Lyon o congresso anual da Isokinetic (que funciona um pouco como o congresso mundial para a partilha técnico-científica na área da Medicina Desportiva) e que este ano teve como tema entregar, também naquilo que diz respeito à sua saúde, a responsabilidade e foco aos atletas, às suas histórias e às suas preocupações e preferências (um tema que me é particularmente querido e acerca do qual tento discutir sempre, advogando tanto quanto posso contra o endeusamento dos profissionais de saúde).


Antes de partilhar o que achei deste momento de partilha, importa referir uma coisa.

É mais que sabido (quem me conhece) o que penso e como enquadro as soluções tecnológicas nos processos e dinâmicas de trabalho do Fisioterapeuta (desde a recuperação à reabilitação), e portanto estou à vontade para dizer que, apesar desta devida homenagem e agradecimento, não estou comprometido nem tenho qualquer conflito de interesse para além daquele que vou mencionar.

Posto isto, gostaria de agradecer à BTL, na pessoa do João Sequeira, pelo gentil convite que me possibilitou de estar presente num evento desta magnitude. 

Abaixo fica o site da BTL, empresa que está associada à prestação de cuidados de saúde, e que apresenta soluções interessantes para utilizar com os atletas, em especial quando bem enquadradas.


Esta conferência ficou-me marcada por diversos motivos:

  • Foi a primeira vez que saí de Portugal;
  • Foi a primeira conferência internacional em que estive presente;
  • Senti-me em diversos momentos um menino numa loja de brinquedos: é sem dúvida um privilégio quando podemos ver e ouvir ao vivo aqueles que admiramos e que, mesmo sem saberem, moldaram a nossa forma de estar e pensar profissionalmente (tentei recordar-me que estava lá como profissional de saúde e lá consegui resistir ao "impulso de fã" de pedir para tirar fotos com toda a gente)
  • Estando num Doutoramento (que espero retomar em breve) pude ver o que se tem feito ao nível de investigação atualmente;

Contudo, e naquilo que diz respeito à componente técnico-científica da tomada de decisão e operacionalização de trabalho no âmbito da Medicina Desportiva, fica uma estranha sensação de que não adorei a conferência (continuo a achar que foi interessante) - um fenómeno que penso que pode ter acontecido, e que tentarei explicar a seguir, foi o facto de este ter tido momentos de excelência, mas outros mais duvidosos, tendo-se mesmo (na minha opinião) negligenciado e ignorado problemas importantes que se constituem como elefantes na sala na Medicina Desportiva (o que não é de agora...). Houve inclusivamente momentos que chegaram mesmo a ser constrangedores.

Tentarei partilhar algumas reflexões que tive nesta visita-de-estudo para gente grande


Elefantes na sala

Naturalmente, não tive a oportunidade de ver todas as palestras. Aquelas que tentei ver foram aquelas que me pareceram ser mais interessantes, independentemente do quanto estava à vontade com o assunto. Tive a oportunidade de assistir a momentos de partilha que foram desde abordagens a lesões desportivas específicas (como lesões musculares, lesão do LCA, ou lesões da TT), até estratégias de intervenção (como a discussão sobre metodologias de reabilitação à base de recursos biológicos ou exercício), passando por palestras mais conceptuais como a tomada de decisão partilhada ou estratégias de motivação e empowerment dos atletas, ou qual o atual estado-da-arte da Medicina Desportiva e como o operacionalizamos.

Em várias delas senti uma sensação de confusão; naturalmente que todos estamos mais ou menos enviesados para uma forma de pensar ou outra, mas em diversos momentos deparei-me com informação sem validade (pelo menos, que eu conheça e sem a devida referenciação), com alguma dela a ser mesmo contraditória com o estado-da-arte (inclusiva, e consequentemente, com algumas das outras palestras).

Elenco abaixo algumas das coisas que mais me fizeram franzir o sobrolho.

Medicina vs Medicina Desportiva

Várias vezes (e uma já seria demais) se constatou algo que me continua a fazer confusão: "a Medicina Desportiva é diferente".  Com justificações como "estamos sempre no limite" e "lidamos com atletas de elite" (como se a conferência não fosse sobre futebol...), continuamos a perpetuar esta ideia de que por qualquer motivo o exercício da Medicina (ou de profissões relacionadas nos cuidados de saúde) tem um âmbito diferente daquele que é o seu propósito transversalmente (não digo que não haja nuances, mas duvido que estas confiram diferenças na magnitude referida).

Em exemplos concretos (e já para não falar do óbvio problema que é a Ciência entrar na Medicina Desportiva), continua por exemplo a confundir-se Fatores de Risco com Fatores de Prognóstico, ou a não se considerar construtos como a eficiência para tomar decisões (mais sobre isto a seguir). Características psicométricas dos testes, critérios ou ferramentas de avaliação não importam.

No fundo, questões basais e indispensáveis ao exercício da tomada de decisão na Medicina não importam sob o pressuposto de "estarmos a lidar com atletas". Ainda estou para ouvir um argumento plausível, não redundante sob este pressuposto prévio, que me convença que de facto é impossível exercer uma prática clínica baseada em evidência científica no Desporto, ainda para mais quando o argumento de fundo é sempre a "confiança", nomeadamente nas tais intervenções duvidosas - então o que anda a acontecer é que andamos a falhar em realmente estabelecer relações de confiança com os atletas, e refugiamo-nos na confiança que eles têm nas intervenções e não em nós?

Para mais considerações, deixo algumas referências.


Paradoxo "Performance vs Saúde"

Tirando um ou outro momento onde esta questão foi abordada (para além da "cultura de risco" que existe mais em atletas que não-atletas, comummente discutida), continua a haver esta ideia de que Performance e Saúde são perfeitamente compatíveis. Duvido que sejam.

Isto está mais que bem estabelecido, por exemplo, quando se abre uma mesa para discussão sobre as consequências - músculo-esqueléticas ou não - de se ter exercido uma atividade desportiva de elevada exigência a vida toda, mas neglienciamo-lo completamente noutras circunstâncias. Por exemplo, apesar de já imensa evidência apontar para o contrário, continuamos a insistir em planos de redução do risco de lesão que se pressupõem a alterar a cinemática de tarefas como mudança de direção ou salto sob a ideia de que são mais seguras - e são de facto. Mas continuamos a ignorar o facto de que esta diminuição do risco vem à custa de uma diminuição da Performance. Resumindo, para umas coisas a cultura de risco importa e tem de ser discutida (normalmente nas situações em que nem temos dados de que sejam situações relevantes), mas noutras, estas sim relevantes, continuamos a assobiar para o lado, em vez de parar para pensar nas consequências. Recomendo a leitura dos artigos abaixo.


Especialização vs Nuances

Ninguém pode saber tudo, isto é factual. Aliás, é factual que quanto mais se sabe de um determinado assunto, menos se consegue saber de outros - é um dado incontornável uma vez que os recursos são finitos. Este debate de especialista vs generalista tem um lugar, mas para simplificação da discussão, aceitaremos que ambos são necessários.

Algo que notei ao longo de quase toda a Conferência foi a completa ignorância de certas ciências fundamentais ao exercício da Medicina (Desportiva), desde conhecimento sobre Ciências Sociais até Neurociência da Dor. Isto é uma benção que vem da ignorância; o facto de eu não saber grande coisa de nada em concreto é causa e consequência de conseguir identificar algumas lacunas em áreas nas quais as pessoas claramente não são experts. Associações infundadas entre biomecânica, lesão, dor e outras são comuns, porque os profissionais têm facilidade em estabelecer relações, muitas vezes de forma linear, que nem sequer são corroboradas pelo estudo básico de outras Ciências, a partir de dados factuais que retiraram do seu (aprofundado) estudo de um determinado assunto. Como diz a frase, "quando só se tem um martelo, tudo é um prego".

"A Biomecânica é simplesmente uma forma sistemática de quantificar a estrutura, função e movimento dos aspetos mecânicos dos sistemas biológicos. Repare-se que a quantificação pressupõe a recolha de dados factuais, mas não pressupõe a atribuição de causalidade ou significado (...) 

Como qualquer boa prática, quando o modelo não sobrevive ao escrutínio científico ou não se coaduna com outras áreas do conhecimento, então o modelo deve ser repensado ou abandonado.

Incrivelmente, a biomecânica não parece acrescentar nada ao estudo da dor."

Asaf Klaf Weisman

Talvez esteja em falta a entrada de certas Ciências Fundamentais na Medicina Desportiva. Já se vai ouvindo falar de questões como validade ecológica, teorias comportamentais e ciências da implementação, mas é tudo muito vago, localizado em certos clusters e pessoas, e pouco disseminado pela comunidade. Supondo que já temos bons especialistas em determinadas áreas que são relevantes, precisamos agora de 1) mais e melhores generalistas; 2) melhores especialistas noutras áreas que inicialmente achávamos negligenciáveis, mas que afinal, aparentemente, não o são.


Dissonância Cognitiva

Houve alguns momentos caricatos.

Provavelmente o fenómeno mais curioso que aconteceu foi a incapacidade de estabelecer unanimidade em relação a uma intervenção que já desde longe vem sendo controversa: os PRP's. De um lado (e por várias vezes) comunicações e opiniões que "denunciavam" e reconheciam a inutilidade (nem que seja pelo atual estado-da-arte) da sua utilização, seja em acréscimo ou substituição, de outras intervenções - chegando mesmo a promover a reflexão sobre a ausência total de esclarecimento, na investigação e na prática, acerca de conflitos de interesse associados a esta escolha de intervenção. Do outro lado, pessoas que sustentavam a sua prática clínica com a plausibilidade associada aos estudos experimentais e animais, relatos episódicos e/ou estudos-de-caso, deixando frequentemente tácito que a sua prática clínica está à frente da Ciência e que esta terá de os "apanhar". Quando confrontados com a ausência de evidência científica, e como geriam isso na comunicação aos atletas acerca dos riscos/benefícios, refugiavam-se nos testemunhos para inferir que os atletas confiavam em si; e o mais caricato, utilizar a incapacidade ou inadequação das medidas estatísticas associadas ao método científico (neste caso, as diferenças mínimas clinicamente significativas) para refletir benefícios práticos (denotando, muito mais do que a inadequação da Estatística, a sua incompreensão de tudo o que envolve estudar as intervenções que fazemos, e os seus outcomes).

Contudo, e como demonstrou o Dr. Hans Tol (numa reflexão que partilho mais à frente)... Não há que enganar.

Outro ponto onde isto fica patente, ainda que de forma menos explícita (mas que é realmente um elefante na sala), é a utilização de imagiologia nas lesões musculares (de isquiotibiais, pelo menos).

Este foi um dos pontos onde a confusão total que vai na Medicina Desportiva se faz sentir, na minha opinião.

Primeiro, o argumento parte de uma premissa inicial potencialmente correta, que é a ideia de que toda a gente, quando tem uma lesão (muscular) o que quer saber é "quando regresso?". Assim, seguem o argumento dizendo que fazem RM, mas tem de ser aqui apresentado o facto de que parece ser claro que a RM não aporta valor ao estabelecimento de prognóstico quando comparada com a avaliação clínica. Então o argumento muda para "mas a RM permite saber melhor onde é a lesão", o que sendo factualmente verdade já nada tem a ver então com a pergunta do atleta, que perguntou "quando volto?" e não "o que tenho?". Isto em condições normais seria o suficiente para arrumar com o argumento, mas a confusão total de conceitos que vai na Medicina Desportiva, aliada à prática corrente de alguns dos maiores centros de Medicina Desportiva do mundo, implica que não se consiga (ou queira) perceber.

Por fim, quem percebe, argumenta (e bem) que os estudos atualmente disponíveis não se referem a atletas (que é o caso da Medicina Desportiva, nomeadamente de elite). Até assumindo que de facto isto é verdade, continuam a não poder dizer o que dizem, uma vez que não se pode subverter o princípio do ónus da prova estar em quem afirma que a RM aporta de facto valor. Ainda assim, continuo com as minhas sérias dúvidas, porque parece ser cada vez mais claro que a resolução da imagiologia não tem qualquer relação com a alta clínica... Mas cá estaremos para os próximos capítulos.


Falta de noção da necessidade de democratização do conhecimento operacional

Não havia dúvidas de que estávamos, de forma transversal, perante a nata da Medicina Desportiva. E também não há dúvidas de que, também pelos patrocínios do próprio evento e pelas relações que existem, aqui neste evento estavam concentrados, não só os melhores de nós, mas também os meios mais ricos do mundo da Medicina Desportiva.

Até aqui, tudo bem. Ninguém tem culpa que clubes ou instituições ricas os queiram contratar.

O que me ultrapassa é a incapacidade de estes profissionais não conseguirem compreender 1) a necessidade de se procurar eficiência de recursos; 2) a necessidade de promover a democratização do conhecimento.

Vamos por partes:

  1. Eficiência de recursos é o equivalente a dizer que procuramos ser igualmente efetivos na nossa tomada de decisão com o mínimo de recursos disponíveis. O que isto quer dizer é que não vamos duplicar avaliações ou tratamentos, nem vamos ser redundantes na abordagem ao atleta, seja em qual for o nosso âmbito de atuação.
    Num episódio curioso, em que o assunto era lesões musculares e como as gerir (nomeadamente a importante vertente de comunicação com o atleta e equipa técnica), a (interessante) questão do público era que tipo de indicadores podíamos encontrar na avaliação para reencaminhar para imagiologia... A resposta foi de que deveríamos reencaminhar de imediato, e se possível que o atleta deveria fazer não só ultra-som, mas também ressonância magnética. 

    Em última instância, sobre que critérios deveríamos utilizar para imagiologia... Não houve resposta.

  2. Isto leva ao ponto 2. Parece que os profissionais não compreendem que a partir de determinado nível de "elite" têm não só a necessidade de assegurar a sua prática clínica, mas que têm também a obrigação deontológica (principalmente se partilham informação a este nível de excelência) de proporcionar aos pares pérolas clínicas, diretamente da sua investigação ou prática clínica (idealmente corroboradas com evidência de qualidade), que lhes permitam ser mais efetivos nos seus contextos. Nestes, adivinhe-se, não há eletroterapia de última geração, dinheiro para 3 exames para a mesma lesão, e às vezes nem sequer tempo para se passar com o atleta.
    O nível de excelência da Medicina Desportiva serve para se obter informação, através de correlação de indicadores fáceis de obter em qualquer contexto, mas informados pelo gold standard a que só estes têm acesso, que será depois partilhada com os pares visando informar a sua prática clínica, melhorando-a. Antes, o que vemos é uma espécie de masturbação contextual em que parece que quanto maior a diferença no nível em que se exerce atividade, melhor. Melhor para os que estão acima porque têm muita coisa chique para mostrar, e para os de baixo, que em vez de procurarem admirar e valorizar o processo de raciocínio e tomada de decisão, admiram e ambicionam o acesso a máquinas e maquininhas e a toda a parafernália de equipamentos que os primeiros têm.

Enquanto não compreendermos que não podemos atuar como se o dinheiro abundasse, e continuarmos a ignorar que isso nem sequer é necessariamente importante, estaremos a gastar dinheiros em coisas inúteis - nessas não tem mal, mas a consequência direta é que não o estamos a gastar noutras coisas onde poderia ser mais útil; no Barcelona isto não importa... Mas tentem trabalhar no Leça.


A forma

Uma das minhas desilusões pessoais foi a palestra do Dr. Peter Brukner, que tem trabalho interessantíssimo na área das lesões musculares e da sua biologia (ou pelo menos trabalho tão bom quanto se pode pedir atualmente...).

Contudo, o Dr. Brukner a que tive acesso foi exatamente o Dr. Brukner dos artigos - na sua apresentação não fez mais do que ler linha por linha, parágrafo por parágrafo, a sua apresentação de um tema pertinente e do qual inclusivamente falou bem (miosite ossificante). 

Quando vamos a estes Congressos e Conferências, diria eu que queremos um bocadinho mais: apesar do tempo curto, queremos nuances, queremos refletir, queremos sair inspirados. Felizmente nem todas as apresentações seguiram a linha do Dr. Brukner, mas ainda assim acabaram por ser mais do que as que deviam - uma já era demais: para partilhar Ciência não chega saber-se do que se fala, é necessário também suscitar nos restantes a necessidade de querer aprendê-lo.


Espaços Televendas

Algo para o qual não estava mesmo nada preparado foi para a apresentação que ocorreu acerca de "chuteiras para atletas femininas"... Por onde começar?

Chavões como "mulheres não são homens pequenos" ou "mulheres não querem necessariamente o mesmo que homens" são factualmente verdade, mas servem só para aclimatizar o público com a empatia de quem não quer ser escrutinado pelo que de facto deveria estar a trazer: Ciência. Frases como "se o calçado não for confortável aumenta o risco de lesão" são extrapolações abusivas, e desnecessárias, para justificar usar umas chuteiras confortáveis - nenhum profissional de saúde do mundo vai (nem pode!) sugerir utilizar  umas chuteiras em específico por trazerem mais benefício que outras. O único dado que penso que temos sobre este assunto tem a ver com a tríade superfície de jogo - tipo de pitão - meteorologia, mas mesmo aí não há ciência que esteja por trás de qual das chuteiras utilizar, desde que cumpra com os pressupostos mencionados.

As mulheres querem factualmente coisas diferentes dos homens (aqui sim, houve ciência quando mencionaram que em termos de marketing não utilizavam uma jogadora famosa, porque as mulheres respondem a estímulos diferentes para procederem à compra...), mas não há motivo nenhum para que um acessório (que é o que corresponde a cor/formato/tipo/etc. de chuteira) estar presente num Congresso sobre Medicina dado que não há qualquer indicação (ou plausibilidade) de que fosse conferir benefícios de rendimento ou saúde a quem as usa.

Quanto ao conforto... É auto-explicativo e nem se trata de saúde, mas de bom-senso.

Foi agoniante.


Highlights

Vamos agora, finalmente, à melhor parte!

Como referi acima, este tipo de Conferências servem para nos inspirarmos. Servem para que terminemos o fim-de-semana a querer ser como aqueles que vimos lá, a decidir como eles, a saber o que eles sabem. Quando aparece um jogador com uma lesão, a perguntar-nos "o que faria o Matthew Buckthorpe?" ou, ao abordar a direção do clube onde trabalhamos, a refletir sobre "como venderia o Evert Verhagen esta ideia?".

Houve riqueza de opiniões, pessoas acessíveis e disponíveis, com tempo para ouvir e discutir quando possível.

Sem dúvida uma mais-valia foi o tema da Conferência, focada no atleta e nas suas dimensões menos biológicas (ou não só nessas, como de costume), o que permitiu gerar discussão em aspetos vulgarmente inacessíveis.

O Dr. Hans Tol foi falar sobre PRP na reabilitação de lesões tendinosas... E não foi meigo com o estado-da-arte ou complacente com a dissonância cognitiva de quem ouvia.
O Dr. Hans Tol foi falar sobre PRP na reabilitação de lesões tendinosas... E não foi meigo com o estado-da-arte ou complacente com a dissonância cognitiva de quem ouvia.

Deixo primeiro algumas das pessoas, e as respetivas apresentações e motivos, que me deixaram contente de ter estado presente,

Para além do espaço destinado às apresentações e discussão, todos os palestrantes e participantes se mostraram imensamente disponíveis para o esclarecimento de dúvidas e a conversa informal. Refiro alguns daqueles que abordei com perguntas concretas e que foram impecáveis no trato.

Uma agradável surpresa, e a quem tive a oportunidade de roubar uns minutos, foi a antiga jogadora de futebol Moya Dodd. Atualmente a Moya é advogada a exercer no ramo do Direito Desportivo, logo tentei perceber como é que ela via as dinâmicas de estabelecimentos nas relações de poder entre profissional de saúde - atleta, no conferimento de autonomia do primeiro para o segundo, e o que é que na sua opinião poderia constituir negligencia e de que forma a Ciência pode e deve estar presente no racional de tomada de decisão e intervenção dos profissionais de saúde.

Por fim, e naquele que foi o momento final desta Conferência, houve a presença (que foi recorrente ao longo dos 3 dias) de um ex-jogador de futebol, sendo que este pessoalmente me dizia muito, o camaronês Geremi. Neste painel, onde estava também o Dr. Vincent Gouttebarge (cujo trabalho sigo atentamente devido aos seus estudos e esforços para acautelar a saúde dos jogadores de futebol retirados), tive a oportunidade de estender uma pergunta aos intervenientes - em tempos tentei produzir um novo Call to Action, este mais destinado ao estudos das complicações músculo-esqueléticas em jogadores de futebol portugueses/em Portugal retirados, com o intuito de que se pudesse depois disso criar iniciativas que minimizassem estes problemas.

No momento de discussão apresentado por Vincent Gouttebarge e liderado por Gino Kherkoffs, que consistiu numa entrevista ao antigo jogador de futebol Geremi, tive a oportunidade de participar e endereçar uma pergunta ao painél. Quis saber, da parte dos profissionais de saúde, qual é que eles achavam que era a abertura dos jogadores para planos de educação e literacia em saúde, e se o Geremi trocaria as queixas músculo-esqueléticas que sente hoje por não ter tido a carreira que teve.

E assim acabaram por passar 3 dias, numa altura complicada, marcados por uma extensa desilusão com os franceses, mas com um saldo significativamente positivo e do qual retiro algumas indicações positivas para o futuro.


Não posso, antes de estabelecer as considerações finais, deixar de agradecer às pessoas que mais de perto me acompanharam nestes dias. 

Tinha o intuito de estar sozinho neste Congresso, uma vez que não combinei a minha presença com ninguém. Não obstante, e já em Lyon, tive a oportunidade de estar com colegas e pares, uns conhecidos e outros não, que me acompanharem nestes 3 dias e que me ajudaram a fazer o coping com as frustrações (técnicas e outras) que nos foram aparecendo.

Assim, um abraço especial aos colegas Fisioterapeutas Rogério Pereira e José Dias, da Clínica Espregueira, e ao corpo clínico do recém-promovido Casa Pia, em especial ao médico Alexandre Fernandes, que se demonstrou uma pessoal especialmente interessante com quem partilhei muitas discussões muito produtivas, e que está, na minha opinião. particular e invulgarmente bem informado acerca do estado-da-arte. O Casa Pia ganhou um pequeno fã para o próximo ano.


E agora...

... na Medicina Desportiva?

A Medicina Desportiva continua, na minha opinião, órfã de uma profunda reflexão e sistematização do conhecimento, assim como de um verdadeiro compromisso multidisciplinar. Para além da importância da valorização de disciplinas como a filosofia e a ciência, é necessária a humildade intelectual (das quais ainda assim tive alguns vislumbres durante estes 3 dias) para reconhecer que não estamos a ser capazes de resolver em grande extensão os nossos problemas. Precisamos de fazer zoom out, e talvez procurar novas formas de resolver os problemas que nos aparecem - às vezes, só deixar de insistir em soluções que não resultam já é alguma coisa.

Se agora me ligasse o Prof. Francesco Della Villa, recomendar-lhe-ia que a Medicina Desportiva precisa de dar espaço ao estudo da dor (já houve um ou outro editorial no BJSM neste âmbito), e que este é um assunto que tem de ser discutido. Dir-lhe-ia que os nossos médicos têm de uniformizar terminologia e rever as bases para as passarem de novo, revisitando conceitos essenciais e que têm sido negligenciados. Assim, na próxima Conferência, teríamos de ter uma mesa destinada à Dor, e outra destinado aos Fundamentos do exercício de uma avaliação músculo-esquelética competente e condizente com o atual estado-da-arte.

Este ano a Conferência deu voz aos atletas, e precisamos desta voz na literatura - mais literatura qualitativa poderá ajudar, especialmente estudos etnográficos que estudem as dinâmicas dentro do próprio contexto de atuação da Medicina Desportiva.

... na vida profissional?

Estes momentos são sempre muito interessantes porque nos colocam em contacto com muita gente diferente, com diferentes backgrounds e experiências. Adoro a possibilidade de me desafiar nestes eventos, algo que aconteceu com alguma magnitude desta vez, mas não tanto como gostaria.

Ainda assim, este evento fez-me repensar em boa medida a minha vida. Por muito que goste do que faço atualmente, a cada vídeo de exercício que vi (e vi alguns muito bons, mas outros indescritivelmente maus...) em processo de reabilitação tive saudades do quotidiano prático, que é aquilo que gosto de fazer e que acho, por muito que advogue a importância da investigação, indispensável ao exercício da profissão.

Não é segredo que estes momentos de partilha são especiais para mim. Alimento o objetivo de regressar quando possível à parte clínica, poder partilhá-la e requerer o escrutínio dos pares como sempre fiz, e eventualmente conseguir fazê-lo de forma de tal maneira efetiva que chegue ao momento em que passo para o outro lado, dos palestrantes. Para isso é necessário regressar à prática clínica, retomar o Doutoramento, ser consistente e não me deixar por não-assuntos que em nada contribuem para o meu crescimento pessoal, profissional, ou para o desenvolvimento da profissão.

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