Imagiologia Desportiva - Trato esta rotura, ou este atleta?
O meu atleta lesionou-se, avaliei-o, intervim, recuperei-o, não tem dor, tem força, está funcional, e recuperou a resistência cardiovascular. Ia reintegrá-lo no treino, repetiu a Ressonância Magnética, e ainda tem rotura. O que faço?
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O jogo está a terminar, e num lance já perto do final da partida um dos nossos atletas tem de fazer um sprint longo e, na travagem, agarra-se à face posterior da coxa. Quem nunca?
Pois bem, devia ter sido evitado, mas agora já foi. Como podemos agora ajudar o nosso atleta?
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- Quando devo acompanhar o meu atleta a fazer o exame?
Desmontando um dos grandes mitos, não há problema em realizar um método complementar de diagnóstico (MCD) na primeiras 48 horas. O exsudado inflamatório existe não é implicativo de ausência de sinal imagiológico. Certo é também que em clubes com menos recursos, caso se possa apenas realizar um exame para avaliação inicial, o ideal é realizá-lo após as 48 horas.
- Como fisioterapeuta, preciso de saber fazer ou interpretar MCD's?
Naturalmente, não. Aliás, mais do que não saber, não o devo fazer. A realização de um MCD e a sua interpretação estão ao encargo legal, ético e nas competências, de técnicos altamente especializados como são os técnicos de radiologia e dos médicos.
Antes de mais devo, enquanto profissional na área da saúde responsável por aquele indivíduo, entender que tenho de ser capaz de lhe dar uma imagem global da sua condição e ser capaz de o encaminhar da forma mais efetiva possível. Tenho então de ser capaz de me dirigir a uma unidade de saúde, nomeadamente de emergência, e poder ser uma voz ativa pelo atleta no seu encaminhamento, sabendo lidar com as devidas burocracias.
Caso, como ponderado, e excluindo uma situação de emergência, o encaminhamento do atleta não seja feito imediatamente após o evento lesional, devo ser capaz de, passada a janela inflamatória, ser capaz de explicar ao atleta e à direção qual o melhor exame a realizar, sempre apoiando o médico nesta decisão clínica.
Deste modo, o meu diagnóstico diferencial deve ser preciso (quanto baste, pelo menos) para ser capaz de indicar que tipo de exame imagiológico devemos escolher para o atleta. Quero ver tecidos moles e chega uma Ecografia? Suspeito de fratura? Se sim, dependendo do local, chegará o raio-x ou deve pensar-se numa Tumografia Computadorizada (TC ou TAC)? Ou em último caso, a situação é mais grave e menos clara e tem de se recorrer à Ressonância Magnética (RM)?
Não podemos nunca esquecer-nos que esta é uma decisão médica mas nem sempre há um médico disponível, pelo que devemos ser eficientes nesta decisão. E eficiência pressupõe não só eficácia, como uma gestão ótima dos recursos disponíveis.
Posteriormente, e após a realização do exame, nós enquanto fisioterapeutas devemos ter as bases para interpretação dos achados imagiológicos pelo relatório que o radiologista nos faz chegar, interpretação que, em caso ótimo, será feita conjuntamente com o médico.
Método COMPLEMENTAR de diagnóstico (?)
Desconstruidas que estão algumas conceções erradas, está na altura de nos perguntarmos: porque é que se chamam a todos estes exames imagiológicos "métodos COMPLEMENTARES de diagnóstico"?
Tal como o próprio nome indica, estes devem ser uma adição ao diagnóstico clínico. Este deve ser realizado pelo médico ou fisioterapeuta através da anamnese, avaliação objetiva de sinais clínicos e de testes específicos ou baterias de testes coadjuvantes, incluindo movimento.
Aquilo que acontece na grande maioria das vezes é uma visão exclusiva dos MCD's como fonte única de informação clínica. Isto acarreta graves má-conceções e perigosos pressupostos errados, que iremos discutir de seguida.
Desta forma, não devemos temer a realização de exames imagiológicos, independentemente de eles virem confirmar ou desmentir o nosso diagnóstico clínico inicial.
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Mas devemos recordar-nos que esse mesmo diagnóstico clínico é estabelecido por nós através de uma Avaliação em Fisioterapia da qual constam dados subjetivos e objetivos e que não somos responsáveis por estabelecer um diagnóstico médico, mas sim um Diagnóstico em Fisioterapia, e que é com este que vamos trabalhar e sobre ele que vamos estabelecer uma hipótese clínica.
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Todos estes factos tornam de sobre-importância saber que a realização de um MCD em contexto desportivo não é o mesmo que a realização de um MCD em contexto não-desportivo, e que a associação das entidades desportivas a técnicos de radiologia especializados é de enorme importância para uma avaliação imagiológica honesta, sensível, precisa e pertinente.
No entanto, tão pertinente como isso, é os fisioterapeutas começarem a compreender que a sua presença e parecer clínico não são acessórios, mas antes fulcrais, e que devem apurar e confiar no seu julgamento clínico e, aí, procurar o parecer dos restantes membros da equipa multidisciplinar e discutir o caso com todos eles, passando a sua informação e ouvindo a dos restantes.
Aí, com toda a informação disponível, estamos absolutamente aptos e protegidos a reabilitar o atleta.
E quanto ao Return to Play? Como ficamos?
Já percebemos então que a imagem da lesão é importante. Mas todas as imagens limpas indicam atletas aptos? E todas as imagens com achados clínicos implicam lesão?
Categoricamente, não.
Sabemos hoje em dia pela convergência de diversas disciplinas neste tema que achados imagiológicos e disponibilidade/ funcionalidade não estão intimamente ligadas.
- 80% da realização de RM's em pacientes assintomáticos mostraram a existência de herniação discal na lombar.
- Por avanços no conhecimento relativo à neuroplasticidade, sabemos hoje que para haver dor não tem necessariamente de haver dano tecidular ou estrutural associado.
- Há uma série de fatores, muto para além da dor e evidência ou não de lesão, que contribuem para a aptidão ou não do atleta.
Então, caso um atleta tenha alta clínica mas uma imagem com dano, ele deverá ou não ser dado como apto?
As opiniões variam. Novamente, não podemos esquecer que a opinião do fisioterapeuta deve ser tida em conta, e ao mesmo tempo influenciar, o parecer da equipa multidisciplinar, e é este parecer, liderado pelo médico, que deve passar do Departamento Médico como uma decisão única e informada.
Para nós, fisioterapeutas, contudo, os achados imagiológicos não devem nunca sobrepôr-se aos nossos dados clínicos; devemos respeitá-los, mas se o atleta e o seu caso nos dizem que está apto, então, em princípio estará. Esta deve ser a nossa contribuição para a decisão.
Afinal de contas...
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Resumindo,
Questões para refletirmos:
- Primeiro, desde logo, deveria a imagem ser O fator primordial na avaliação?
- Após saber o que tratar, trato o atleta, com todo o seu contexto, sinais e sintomas, ou os achados imagiológicos que tenho dele?
- Depois, após a intervenção aparentemente concluída, deveria a imagem do exame ser O fator para enviar o atleta para o campo?
- Ou deveríamos nós desenhar uma ferramenta, tal como a nossa intervenção - funcional -, que nos facilitasse o algoritmo de tomada de decisão quando não há o acesso a esta ponderação multidisciplinar?
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