Fisioterapeutas: é melhor ser o "19º" ou "não-convocado"?

18-05-2022

A Fisioterapia está a mudar. Isso é um dado adquirido e é algo que é um marco de uma profissão saudável e que ainda está a tentar encontrar o seu espaço. No que concerne ao Desporto, discute-se frequentemente o perfil do Fisioterapeuta no Desporto (que tendo sido elaborado apenas em 2005 ilustra bem o porquê destas dores de crescimento). Neste Perfil de Competências (que recordo foi aprovado cá, em Portugal - onde, e abrindo as hostilidade ao citar o dito documento "[in] Portugal: sports physiotherapists are not responsible for first aid"), uma das valências que está presente como sendo do âmbito de atuação do Fisioterapeuta no Desporto é o contacto imediato através da intervenção aguda (Bulley & Donaghy, 2005) (Bulley, et al., 2005). Isto, associado a uma série de outras dinâmicas (que discutirei a seguir e que constituem uma série de argumentos verosímeis, mas falaciosos) fazem com que o Fisioterapeuta seja vulgarmente associado pelas instâncias desportivas ao momento competitivo - o que aparentemente se mostra uma oportunidade mas que, na minha opinião, é um pacto com o Diabo. E é isso que aproveito para discutir aqui: será que os Fisioterapeutas deveriam ser reconhecidos por "estar no banco"?

Em jeito de curiosidade, se escreverem Fisioterapeuta no Desporto, quase todas as imagens que irão aparecer são na atuação em contexto de campo. Isto advém do facto de 1) ser difícil ilustrar em imagens a complexidade da operacionalização da Fisioterapia, mas também 2) esta ser uma das faces mais visíveis da atuação da profissão.


Argumento 1: Repara, está na regulamentação oficial das provas, logo de certeza que somos importantes!

De facto, existe uma série de Federações e Associações que consideram o Fisioterapeuta parte integrante da equipa que está presente no momento competitivo. Como exemplo, olhemos para a página 50 do Regulamento da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) do Campeonato de Portugal, no qual está redigido que o Fisioterapeuta é um dos elementos que tem de estar no banco de suplentes. Já na página 14 do Regulamento de provas oficiais de Futebol de 11 da Associação de Futebol de Lisboa, o Fisioterapeuta é considerado um de alguns elementos indispensáveis no acompanhamento competitivo.


Só que não é isto que os documentos dizem. No primeiro, o Fisioterapeuta está enquadrado como sendo um de 3 elementos que podem constituir o banco de suplentes, como alternativa a médico ou enfermeiro. Já no segundo, este pode inclusivamente ser substituído por... Massagista. Ora, se considerarmos que a presença regulamentar é o argumento que nos confere as mesmas competência e expertise para estar presente num momento competitivo que um médico ou enfermeiro, então é bom que estejamos em condições de considerar que estas são também partilhadas por um massagista... Que aliás, está também consagrado como elemento integrante do banco de suplente no Regulamento da FPF.

Temos então de analisar o porquê de serem estes elementos que podem estar presentes no momento competitivo. Por definição, e pelo seu perfil de atuação em âmbito de emergência, podemos considerar que os enfermeiros e os médicos são por excelência os elementos mais bem preparados para providenciar um acompanhamento adequado aos atletas em situação de jogo, seja em caso de traumatismo, escoriação ou outro acidente desportivo. Mas então porque é que surge a presença de Fisioterapeutas (e Massagistas)?

A presença de elementos que podem providenciar este acompanhamento de forma sub-óptima tem apenas uma justificação possível - a gestão de recursos. A integração de Fisioterapeutas (ou mesmo Massagistas) neste contexto prende-se apenas com a sua necessidade prévia noutras circunstâncias associadas ao contexto desportivo, nomeadamente no acompanhamento quotidiano às equipas. Ou seja, a sua integração regulamentar surge de uma necessidade (compreensível), mas não do reconhecimento tácito de que somos de facto figuras importantes - somos apenas as figuras disponíveis, e melhores que nada, numa situação na qual, idealmente, não estaríamos.

Ora, o que isto deixa implícito é a ideia de que sermos versáteis é positivo, porque leva a que as equipas tenham de nos contratar - nem que seja por um mal-entendido naquilo que é o nosso core de competências estar agora regulamentado. Para ilustrar como isto é contraproducente, recomendo a leitura do artigo "Multidisciplinary Sport Science Teams in Elite Sport: Comprehensive Servicing or Conflict and Confusion?" (Reid, Stewart, & Thorne, 2004). Aproveitando para citar os autores, "The necessity for this multitasking is still a financial reality for most sports and indeed can be an important opportunity for the practitioner (...) However, it can also contribute to an environment where roles and boundaries are blurred" o que leva a que "(in difficult times) it may seem that a practitioners professional opinion is of less value than their practical utility in clearing up after training!". Istodemonstra os vários problemas possíveis então com esta regulamentação desajustada, que aparentemente até funcionaria a nosso favor: 1) a falsa ideia de equiparação em termos de competência entre as várias ocupações mencionadas, e 2) a consequência direta de uma confusão na atribuição de expertise nas respetivas áreas de conhecimento - quem não sabe que não somos tão indicados como médicos no jogo, também não vai saber que somos mais indicados que enfermeiros (ou massagistas) na reabilitação.


Argumento 2: Mas em jogo podemos ver o mecanismo de lesão!

Outros dos argumentos normalmente utilizados para justificar a presença do Fisioterapeuta em competição é a possibilidade de ver o mecanismo de lesão na eventualidade de ele acontecer. Isto é falacioso, uma vez que a discussão inicial não é necessariamente que o Fisioterapeuta não possa estar a ver o jogo, mas sim que não seja requerido que ele esteja a ver o jogo. E também é falacioso na medida em que dizer que o Fisioterapeuta não teria um trabalho de expertise no momento da competição (por exemplo, que não seja necessário no balneário ou no banco do dia da competição) não é o mesmo que dizer que ele não pudesse também ver o jogo da bancada... Mas lá iremos.

No que concerne a um possível mecanismo de lesão, o argumento de que precisamos de ver o atleta a lesionar-se é um auto-endeusamento que não se coaduna com uma prática ética de um profissional de saúde. Existem algumas indicações de que o atleta possa negligenciar, voluntariamente ou não, lesões que tenha tido no passado (nomeadamente em fases mais precoces da época) (Bjørneboe, Flørenes, Bahr, & Andersen, 2011). Contudo, não tenho conhecimento de nenhum dado empírico que sugira que os atletas se podem esquecer, ou não saber explicar de forma inconclusiva, o seu mecanismo de lesão - e muito menos de que, nestes casos, se o Fisioterapeuta (ou outro profissional de saúde) estivesse a ver, fosse capaz de o identificar claramente.

Contudo, esta é apenas uma das camadas do problema - mesmo que pudéssemos supor que o atleta é absolutamente incapaz de explicar o mecanismo de lesão (e que nós não fôssemos capazes de concluir a nossa avaliação e estabelecer uma hipótese clínica com acesso apenas à restante semiologia - o que é improvável), não há motivo nenhum para supor que outros profissionais de saúde (ou até pessoas que não o sejam...) não o pudessem ver e descrever de forma precisa, o que implica que este argumento não nos torna, também aqui, mais indicados que qualquer outro profissional de saúde no momento da lesão. Não havendo provas do contrário, creio que assumir isso seria mais um auto-endeusamento supor que o Fisioterapeuta tem um qualquer poder de observação que os restantes não têm. Ou seja, a narração do mecanismo de lesão aquando do nosso momento de avaliação para estabelecimento de hipótese clínica, pelo próprio atleta ou por outro profissional, é certamente tão boa - senão melhor - que sermos nós a ver a lesão.

Contudo, o argumento pode adensar-se... Porque se é verdade que é improvável que tenhamos uma capacidade diferente de observação, é possível que a tenhamos de interpretação; ou seja, podemos ver a mesma coisa, mas talvez sejamos melhores a saber o que a lesão implica. O que podemos fazer com essa informação?


Argumento 3: Nós somos os que sabemos mais de lesões, portanto somos importantes a decidir se o atleta pode voltar a jogar!

Frequentemente, e dada a nossa expertise associada às lesões músculo-esqueléticas e respetivas consequências, arrogamo-nos da nossa capacidade de ser os responsáveis por decidir se o atleta joga ou não depois de uma queixa. Ora se eu concordo com a primeira parte, discordo que a segunda seja uma decorrência direta da premissa inicial.

Para ilustar, irei utilizar um caso real. Em outubro de 2017, e durante um jogo da seleção argentina, o jogador argentino Fernando Gago lesionou-se aparentemente (e percecionado pelo próprio) com gravidade, e teve de ser assistido. Durante a assistência, e enquanto lhe ligavam o joelho, ele gritava irado ao médico Daniel Martínez "Déjame jogar, Dani!", tendo regressado ao terreno de jogo. A bem da verdade, o médico sinalizou a necessidade de substituição para o banco, mas a verdade é que o atleta volta a entrar em campo, onde permanece mais alguns minutos até reconhecer que seria incapaz de continuar, tendo de abandonar o jogo (vídeo no link abaixo).

O que este caso ilustra bem é como a decisão de o atleta regressar ou não (como em quase tudo em todos os processos que estamos envolvidos) não é nossa; é do treinador e do jogador. Isto não implica que não possamos informar dos riscos, mas a verdade é que quando falamos de lesões músculo-esqueléticas, os riscos envolvidos num retorno não são assim tão grandes comparados com a existência de uma lesão inicial - o que provavelmente acontecerá é o atleta não se sentir capaz de render... Situação que nós podemos, discutivelmente, prever e informar, mas na qual em última instância não nos cabe a nós agir. Isto é respeitar a autonomia dos principais agentes desportivos em campo.

Esta preservação da autonomia tem limites - a principal é quando o risco é de uma magnitude a que o nosso código deontológico nos obriga a colocar a saúde do atleta à frente da sua vontade de participar. Por exemplo no caso de uma concussão, após a qual, e citando o Regulamento de 2021 da UEFA para a Liga Europa, "Any player suffering a head injury that requires assessment for potential concussion will only be allowed to continue playing after the assessment, on specific confirmation by the team doctor to the referee of the player's fitness to do so.", Então aqui é realmente importante saber decidir e a decisão e expertise na avaliação tem prevalência imediata... Só que aqui o profissional indicado para decidir não é o Fisioterapeuta, mas sim o médico. Na dúvida, e como a mesma UEFA determinou no protocolo UEFA EURO 2020 Concussion Charter "(...) if a player of our team is suspected of having suffered a concussion, he will be immediately removed from the pitch, whether in training or match play". Isto desvincula-nos (felizmente) de uma tomada de decisão de risco de vida ou morte, uma vez que por definição é correto assumir que não estamos (mais) preparados para tomar esta decisão que qualquer outro profissional de saúde.


Argumento 4: Mesmo não decidindo se o atleta volta ou não, continuamos a ser os especialistas em lesões músculo-esqueléticas... Alguma coisa podemos ajudar no momento em que ela ocorre!

Dado que concordo que somos (ou devíamos ser...) de facto os especialistas no que a lesões músculo-esqueléticas diz respeito, um argumento que costuma ser então utilizado é o de que essa expertise tem de ter alguma utilidade no momento da lesão. Os argumentos vêm normalmente no sentido de que podemos dizer ao atleta o que ele tem ou de que sabemos o que deve ser feito.

Para além de nós nunca sermos responsáveis por dizer ao atleta a lesão que ele tem (uma vez que isso é diagnóstico médico - o que não invalida que não o possamos manter informado com os dados de que dispomos da nossa avaliação), é improvável que haja dados no momento da lesão que não possam ser reportados a posteriori (principalmente na curta janela temporal de alguns dias até vermos o atleta) e que impliquem alterações marcadas no diagnóstico ou no prognóstico. Por exemplo, em lesões musculares, os principais dados preditores do tempo fora de competição são a dor no momento da lesão e o tempo previsto pelo atleta para regressar (Schut, et al., 2016)... Ambas informações que o atleta nos pode reportar a curto-prazo depois da lesão, e não necessariamente no dia.

Quanto ao aconselhamento sobre o que fazer, e continuando nas lesões musculares, a única indicação importante é sobre o desaconselhamento de medicação anti-inflamatória (e farmacologia é uma área de atuação médica, e não do Fisioterapeuta...). De resto, não temos dados que indiquem que qualquer modus operandi na gestão e/ou intervenção aguda (espaço temporal de alguns dias até à nossa avaliação) tenha qualquer efeito; dito isto, basear a nossa expertise nisto era ficarmos com uma mão cheia de nada.

É importante referir que, na minha opinião, esta nossa capacidade acima dos restantes profissionais no que diz respeito à gestão e reabilitação de lesões desportivas se prende com uma importante diferença na forma de operacionalizar o raciocínio clínico. Fazendo referência ao livro "Thinking, Fast and Slow" (Kahneman, 2011), existem essencialmente dois sistemas major na forma de pensar: o Sistema 1, responsável por raciocínios rápidos e que vulgarmente necessitam de pouca informação disponível, baseando-se muitas vezes no reconhecimento de padrões, e o Sistema 2, responsável por raciocínios mais ponderados e que consequentemente necessitam de mais informações para guiar a atuação. Sendo importante referir que ambos estão sempre a atuar conforme possível, a verdade é que é o contexto de atuação (e principalmente de preparação e treino) que leva à capacidade de operacionalizar cada um deles. Por exemplo, e no contexto desportivo, os enfermeiros (e médicos quando possuem determinada especialização) são profissionais que têm especial aptidão à utilização do Sistema 1, no qual necessitam de atuar de forma emergencial ou com acesso a poucos recursos e informações. Por outro lado, os Fisioterapeutas e Médicos de especialidades que recorrem a outro tipo de avaliação, diagnóstico e intervenção, utilizam predominantemente o Sistema 2; exemplificando, para operacionalizar a reabilitação de uma lesão desportiva necessitamos muito menos de dados que nos são providenciados por pistas que vemos ou ouvimos num segundo ou dois, mas sim numa ponderação cuidada da informação, com o estabelecimento de um processo a médio-prazo e ajustes que acautelem a progressão e otimização do processo à medida que ele vai decorrendo.

Ou seja, não é que nós não sejamos de facto muito bons com lesões desportivas: é só que, devido à etiologia e características das próprias lesões desportivas, e às características profissionais que fomos adquirindo ao longo do nosso treino e que são necessárias ao nosso trabalho (esse sim no qual somos especialistas), somos bons é a lidar com elas a médio-prazo, e não no momento em que ocorrem.


Argumento 5: Mas somos importantes nas dinâmicas do pré-jogo! E talvez até no pós-jogo!

Normalmente as dinâmicas do pré-jogo envolvem estratégias de gestão e preparação do atleta para a competição como massagem ou alongamentos (e que vão de encontro à preferência do atleta) e/ou ligaduras funcionais. Se no primeiro a posição do Fisioterapeuta deve ser clara, e esta deve ser a de que a operacionalização de modalidades de bem-estar em nada é exclusivo ou ilustrativo da competência do Fisioterapeuta, mais dúvidas surgem naquilo que diz respeito às ligaduras funcionais, e é algo para o qual vejo algumas nuances.

No Perfil de Competências já mencionado (Bulley, et al., 2005), uma das ações que é responsabilidade do Fisioterapeuta é a realização de ligaduras funcionais ou protetivas. Reconhecendo-o, gostaria de deixar claro um ponto prévio: isto não é porque somos nós os donos e senhores da sua técnica altamente específica, nem porque só quando feitas por nós é que elas estão bem - aliás, qualquer Fisioterapeuta que já tenha alguma experiência no Desporto pode testemunhar como a adequação das ligaduras não segue necessariamente o padrão do livro ou de pressupostos mecânicos altamente específicos (que não sejam compreensíveis por qualquer outra pessoa). Isto será, possivelmente, devido ao volume de exposição e consequente aquisição de competências durante a formação base. Posto isto, sou sensível à ideia de que o Fisioterapeuta pode de facto ser o profissional por excelência para realizar este tipo de procedimentos.

Fazendo um exercício de futilidade, ponderados os argumentos prévios (e prosseguindo com o óbvio viés pessoal a que pretendo chegar no final de todo este raciocínio), é normal o Fisioterapeuta adquirir competências na prestação de cuidados imediatos, recorrendo a informação e expertise que normalmente é da área da enfermagem através do ingresso em formações avançadas de intervenção em contexto traumático agudo... Contudo, se é para extrapolar - por necessidade, claro - o âmbito de competências, não seria preferível o enfermeiro "só" aprender a fazer ligaduras, ao invés de o Fisioterapeuta estar a aprender a tratar de feridas, cuidar de escoriações ou gerir emergências, situações que probabilisticamente são menos provável de serem bem geridas e nas quais as consequências podem ser muito mais danosas para o atleta quando feito de forma sub-ótima?

Quanto ao pós-jogo, a operacionalização de estratégias de recuperação que envolvam massagem e alongamento cai sob o chapéu argumentativo já usado acima. Noutras alternativas, existe por exemplo a crioterapia, na qual o Fisioterapeuta pode ser um agente apenas prescritor (sendo que mesmo aqui não há grandes preciocismos a cumprir - a literatura aponta num determinado sentido nos parâmetros a ser utilizados (Machado, et al., 2016), desde que respeitada a tolerância do atleta (Ihsan, Watson, & Abbiss, 2016)).

Termino a argumentação a este ponto relembrando que este argumento é falacioso porque estamos a mover o âmbito da discussão - inicialmente este prendia-se com a presença em campo, e estamos já a discutir a presença no dia de jogo. Mas como continua a ser uma discussão premente, serve o propósito da reflexão.


Argumento 6: Mas é partilhar os momentos bons e maus com a equipa e fazer parte do processo!

O último argumento, como quase sempre, deixa de estar situado na ordem racional, para estar associado a uma resposta emocional.

É claro que estar com a equipa é bom. Eu vivi a minha vida toda em balneários de equipas: a ser feliz, a estar ansioso ou a sentir-me miserável, e em todas as situações a partilhá-lo com aqueles com quem trabalhava para obter resultados, fosse como jogador, fosse como Fisioterapeuta.

O reconhecimento de que o Fisioterapeuta não tem expertise específica e, portanto, necessidade contextual de estar presente nestes momentos só implica que as entidades desportivas não passem a contar connosco - não quer dizer que não possamos ir para ajudar nalgum trabalho que saibamos fazer (parabolizando, é a diferença entre ajudar o técnico de equipamentos a carregar a roupa, ou ser esperado que o façamos, sendo valorizados - ou não - em função disso) ou para estar presentes nos momentos que consideramos relevantes em termos desportivos.

Termino a resposta a este argumento relembrando que dizer que não devemos ser valorizados pelo que fazemos em dia de jogo não é o mesmo que dizer que estamos impedidos de ir ao jogo. Simplesmente, passa a estar à responsabilidade do Fisioterapeuta se, e quando, está presente - o que o vai empoderar do ponto de vista da agenda. A título de exemplo, o Fisioterapeuta pode na mesma estar a "trabalhar" para a entidade desportiva que representa ao frequentar uma formação, algo que trará valorização pessoal e acrescentará ao contexto onde trabalha.


Contrapartidas de vender a alma ao Diabo

Aqui é, normalmente, quando se fecha a discussão e cada um decide ir para seu lado, com a mesma opinião que já tinha antes. Contudo, as coisas ficarem como estão não são inócuas; como já mencionei, existem contrapartidas pelo facto de o Fisioterapeuta continuar a ser encarado como o elemento por excelência a acompanhar a equipa em momentos competitivos.

Enquanto não formos nós os primeiros a sensibilizar as entidades desportivas para a realidade - que é que não é aqui que o nosso trabalho é melhor enquadrado - estaremos a providenciar um trabalho sub-ótimo, e consequentemente a ser valorizados em consonância. Assim, aquilo que parecia ser uma aparente valorização, é-o apenas numa ilusão nossa. Para além disso, aquilo que está implícito neste racional é a ideia de que nos estão a pagar pela nossa disponibilidade, quando na verdade nos deveriam estar a pagar pela nossa competência: não pedimos para acrescentar ao nosso contrato que nos paguem também para varrer o chão. Devemos lutar para que o que seja valorizado (e devidamente remunerado) seja aquilo que acrescentamos ao contexto quando estamos (e mesmo quando não estamos) ao serviço do clube; e não que passem a deixar-nos estar mais horas para assim aumentar a remuneração. Devemos almejar aumentar o que recebemos por hora, e não o número de horas que recebemos.

Se por outro lado decidirmos que esta é de facto uma área na qual o Fisioterapeuta poderá requerer especialização e assim otimizar a sua dinâmica de trabalho (o que é legítimo dada a adolescência e consequente necessidade de adaptação de classe que comecei por mencionar), devemos ter em mente dois aspetos: 1) estamos a explorar uma oportunidade, quando na verdade já existem profissionais destinados a este tipo de intervenção, perdendo um argumento para discutir a usurpação de funções de que muitas vezes nos queixamos, e 2) o investimento em determinada área de conhecimento não tem apenas custos financeiros, tem também custos de tempo e oportunidade. O tempo é um recurso como qualquer outro, e este é finito. Recordo que o Perfil de Competências diz respeito àquilo que o Fisioterapeuta enquanto figura profissional pode fazer, e não àquilo que cada um dos Fisioterapeutas que existem tem de fazer. Não é sensato esperar que um Fisioterapeuta seja expert em todas as dimensões da operacionalização de trabalho com o atleta (salvaguardando que, como em qualquer outro contexto, podemos ser "generalistas"). A título de exemplo, uma das pessoas que conheço que mais sabe sobre treino, é Fisioterapeuta - mas não sei se lhe pediria para operacionalizar uma reabilitação tanto quanto lhe pediria para prescrever e realizar o treino de qualidades físicas da minha equipa. Isto é aplicável também às restantes dimensões de trabalho. Por estes dois aspetos, reflito se a intervenção imediata será uma área na qual vale a pena investir recursos, enquanto classe e enquanto indivíduos.

Há uns tempos perguntava a colegas Fisioterapeutas "o que achavam se vos propusesse ganharem o mesmo, mas deixassem de fazer jogos?", e a resposta foi um perentório e quase generalizado "não acho bem!". Isto deixou-me reflexivo sobre os motivos que levaram a esta resposta, e pode ser um de vários motivos: 1) um entendimento (na minha opinião, errado) de que a expertise do Fisioterapeuta aporta um enorme valor no dia de competição, mesmo quando comparado com outros profissionais; 2) um entendimento falacioso que denota confusão nos conceitos de perceção e real valorização pela entidade patronal, mesmo quando confrontados com a possibilidade de esta ser a mesma através da não-alteração da remuneração; 3) nenhuma das anteriores e eu estou só errado, havendo uma valor intrínseco à participação do Fisioterapeuta no dia de jogo. Seja como for, diria que esta ideia de estar a atuar irrefletidamente em função exclusiva das necessidades do clube não acrescenta nada à nossa valorização profissional e à otimização que pretendemos do contexto desportivo, e que uma discussão ponderada sobre este tema pode acrescentar muito àquilo que somos e queremos ser (para além de passarmos a ter fins-de-semana livres!).


Bibliografia

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