Estudo de Caso - Arsenal FC
Arsenal Football Club
(alcunha: The Gunners)
País: Inglaterra
Data de Fundação: 1886
Divisão: Premier League
Estádio: Emirates Stadium
9x Campeões Ingleses
7x Campeões Taça de Inglaterra
6x Campeões Taça da Liga Inglesa
1 Vice-Campeões Champions League
1x Vice-Campeões Taça Uefa
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22 de Dezembro de 2014, diz o Telegraph:
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30 de Novembro de 2015, o noticiário desportivo Sky Sports noticia:
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A 30 de Março de 2017 o Mirror, jornal inglês, conclui:
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Se até a imprensa já reparou, onde poderá estar o Arsenal a falhar? O que poderá o Arsenal fazer para reduzir a incidência lesional? A que se pode dever?
Não temos respostas, mas poderemos especular. Vamos procurar discutir como é que um dos clubes mais poderosos de Inglaterra, e portanto do Mundo, com recurso a tecnologia e staff do mais alto calibre, se deixa, recorrentemente e ano após ano, flagelar pela epidemia das lesões.
O que dizem as estatísticas?
Comecemos pelos factos.
No gráfico seguinte estão expostos os números relativos à frequência absoluta do aparecimento de lesões por mês.
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Nº de lesões por mês desde 2013 (dados retirados do site não-oficial https://www.arsenalreport.com/injuryroom/stats
Logo numa primeira análise, para quem está acostumado às andanças do futebol, os meses de Agosto, Setembro e Fevereiro são marcados por inícios de atividade competitiva. Agosto é o mês de término da pré-época e início da atividade competitiva oficial, e Setembro e Fevereiro os meses de início e reinício, respetivamente, das Competições Europeias.
Aleatoriamente, escolheu-se o calendário de 2017/2018 para análise. Será possível especular que estes meses, sendo os de início de atividade, implicam um maior número de jogos e, consequentemente, isso pode ser a causa do aumento de lesões?
A resposta é categórica. Não.
Analisando o calendário 2017/2018, é possível concluir que Agosto, o mês com o início da temporada oficial, conta com apenas 4 partidas. Setembro, que dá início ao calendário europeu, conta com 6 jogos, o mesmo que Outubro e Novembro. Já Fevereiro, início da fase a eliminar das competições europeias, conta com 5 - o mesmo número de jogos em Março.
Os meses de Dezembro, Abril e Janeiro são os mais fustigados por jogos (9,8 e 7 respetivamente), o que não fica necessariamente expresso em nº de lesões. Maio e Agosto, início e fim do calendário competitivo, tiveram ambos 4 jogos.
Junho e Julho não tiveram jogos competitivos, sendo provavelmente os períodos destinados a férias e pré-época.
Então, o nº de jogos como fator predisponente esta descartado. Continuemos.
A Teoria de Gulliver
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A Teoria de Gulliver, expressa pela imprensa, propõe que o facto de os atletas do Arsenal serem, em média, vários centímetros mais baixos que os seus rivais e terem "menos potência" - já lá iremos - à custa disso, pode explicar que eles joguem mais frequentemente no limiar das suas capacidades. Para além disso, abona a favor desta teoria o facto de jogadores como Walcott, Sanchéz, Rosicky, Arteta ou Wilshere serem frequentemente fustigados com lesões, ao passo que jogadores como Cech, Mertesacker, Xhaka ou outros, maiores e em teoria mais fortes, não terem uma incidência tão grande de lesões.
Assim, a ideia é de que estes jogadores, mais pequenos e "frágeis", e que possuem um estilo de jogo mais curto e mais intenso, estão mais sujeitos a lesões.
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O Barcelona de Guardiola do início da década de 2010 é considerada uma das melhores equipas de sempre. Com um estilo de jogo curto e de pressão alta, jogadores como Messi, Xavi, Iniesta, Pedro, Villa e o próprio Alexis (que mais tarde viria a ser um dos mais fustugados com lesões no Arsenal), fizeram sempre mais de 30 jogos por ano, sem problemas relevantes de lesões, exibindo-se sempre no expoente das suas capacidades - é inútil relatar tudo o que ganharam. O que interessa aqui é saber que estiveram sempre aptos e que a média de alturas há-de rondar os 1.73 m, o que é francamente curto, passe a redundância.
A semelhança no estilo de jogo era tão grande que o Arsenal de Arséne Wenger era frequentemente apelidado de "o Barcelona que não ganhava nada".
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Podemos argumentar que o Barcelona de Guardiola disputava recorrentemente menos uma prova que o Arsenal, uma vez que o calendário espanhol não visa uma competição similar à Taça da Liga Inglesa. Para além disso, a intensidade do jogo em Espanha é francamente mais baixa que a do campeonato inglês - pelo menos empiricamente.
Contudo, também é apenas empiricamente que podemos afirmar que os jogadores mais pequenos têm menos potência - a capacidade de gerar força não é diretamente proporcional à altura ou aparência muscular de um indivíduo. Será que se a maravilhosa equipa destes pequenos atletas do Barcelona jogasse em Inglaterra, se lesionariam mais?
A resposta, discutível, à partida é não.
Ao argumentarmos que o Arsenal tem mais jogadores lesionados que são baixos ou aparentemente frágeis, estamos a ignorar que o Arsenal também tem nas suas fileiras mais jogadores deste tipo. É uma falácia que nos faz olhar para valores absolutos quando estes devem ser tratados como valores relativos. Vejamos o facto de Mata, Fabrégas e Pedro (no Chelsea), Eriksen ou outros, aparentemente frágeis, jogarem noutras equipas com uma frequência bastante maior, no mesmo campeonato.
Para além disso, o Arsenal conta também com jogadores de maior porte que frequentemente se lesionaram, como Giroud e Koscielny e os crónicos Welbeck e Abou Diaby.
O que poderia, isso sim, estar aqui em causa era a política de contratações do Arsenal - quer pelo histórico, quer pela adequação ao estilo de jogo. Vejamos.
Política de Contratações
É frequentemente noticiado o facto de o Arsenal contratar jogadores que estariam à partida inaptos. Isto aconteceu com o médio sueco Kim Kallstrom ou com o guarda-redes colombiano David Ospina. Para além disso, também é recorrentemente reportada a contratação de jogadores que vieram a desenvolver problemas com aparente cronicidade, como o caso de Welbeck e dos seus problemas de cartilagem nos joelhos, cuja notificação é ignorada pela equipa técnica.
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Em 2017, Coles propôs uma alternativa à pirâmide de prevenção de lesões "convencional".
Na base desta está a capacidade de contratação de jogadores , e a consequente gestão, de forma eficaz, do plantel e dos recursos humanos. Naturalmente que a este fator estão adjacentes questões que vão muito para além da responsabilidade do Departamento Médico, como a decisão acerca do estilo de jogo, da preparação metal e psicológica dos jogadores, a gestão de expectativas e fatores emocionais, entre outros.
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Estilo de Jogo e Adequação das cargas
Este é Raymond Veheijen. Verheijen é um preparador físico que trabalhou na seleção do País de Gales com o falecido Gary Speed, e tem sido um dos principais críticos e detratores do sistema implantado por Wenger, principalmente no que diz respeito à gestão das cargas físicas.
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Aaron Ramsey, um dos melhores jogadores do Arsenal e do País de Gales, tem sido frequentemente alertado por parte de Verheijen para o facto de que, se continuar a jogar às ordens do treinador gaulês, acabará por adquirir uma espécie de "estado lesional crónico" (o que, convenhamos, não está longe de acontecer).
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À semelhança deste processo com Ramsey, é incalculável o número de atletas que têm vindo ao longo dos anos a deixar marca de assiduidade preocupantes no Departamento Médico do antigo Highbury Park.
Olhemos para o impressionante registo de Abou Diaby.
Internacional francês, chegou ao Arsenal do Auxerre como um dos mais promissores jogadores franceses. Jogador na linha daquilo que vinham sendo outros dominadores médios franceses como Patrick Vieira e Emmanuel Petit, ambos campeões ingleses ao serviço de Wenger, Diaby nunca viria a revelar o seu verdadeiro potencial. Podemos ver porquê.
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Após sair do Arsenal, chegou ao Marselha onde relatos diziam que a sua condição era completamente desadequada para o estado clínico de um jogador de futebol, o que está bem expresso pela ausência de mais de um ano e meio após chegar a Marselha.
Atualmente vai com quase 2 anos de paragem.
Jogadores do Arsenal mais fustigados por lesões entre 2007/2008 e 2017/2018
A verdade é que nem tudo abona contra Wenger e a sua forma de gerir as cargas; poderá ser azar?
De facto, segundo o Telegraph, estudos estatísticos revelaram que épocas houve em que o Arsenal chegava mesmo a ter mais lesões de episódios traumáticos do que lesões não-traumáticas dos tecidos moles; para além disso, o Arsenal era a equipa que sofria mais desarmes (com a possibilidade de muitos eles derem duros), e uma das equipas que sofria mais faltas.
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Excerto da notícia Revealed: The truth behind Arsenal's terrible injury record - and how your club shapes up do Telegraph de Dezembro de 2014
Quando não era a impetuosidade (reconhecida) dos adversários ingleses, era outra coisa.
"The only muscular problems this year are Arteta and Ramsey. Ramsey is surprising because he is young with good stamina. Let's not forget we played eight Champions League games since the start of season. When bodies are not really prepared you go from Besiktas to Everton. Is it the only explanation? I don't know."
Arséne Wenger, numa conferência de imprensa a respeito das ausências do capitão Arteta e de Ramsey
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Mas será mesmo assim? Poderão ser as faltas, as viagens, a idade, o azar, ou outros fatores casuais, alheios à estruturas, a origem dos problemas de lesões no Arsenal?
Olhemos para uma caso em particular que poderá ser revelador.
Theo Walcott surgiu no panorama internacional aos 16 anos como a grande esperança do futebol britânico e uma das jovens promessas do futebol mundial. Tendo-se transferido do Southampton para o Arsenal, a fama de Arséne de apostar nos jogadores jovens fazia crer muito em Walcott.
Um dos episódios que fez com que Theo Walcott visse o seu potencial ir desaparacendo aos poucos para se tornar "apenas" um bom jogador foi uma rutura do ligamento cruzado anterior contráida no final de 2013.
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Walcott, já de si, revelou ser propenso a lesões no Arsenal (mais um). Vejamos o histórico.
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Walcott saiu com uma lesão nos músculos abdominais em Setembro o que o tirou dos relvados durante 11 jogos. Regressou em Novembro e depois em Janeiro contraiu a lesão mais grave que um jogador de futebol teme. Pode ter sido azar... Raymond Verheijen, por exemplo, tem outra ideia.
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Excerto de uma notícia do Mirror de Março de 2014.
O que Verheijen propõe é que a má gestão de carga imposta a Walcott após a reabilitação da sua lesão prévia implicou que este estivesse constantemente em risco de recidivar ou sofrer de uma outra lesão, que estaria sempre associada, aparentemente ou não.
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Notícia do Mirror a 5 de Janeiro de 2014
O que nos diz a Ciência da Medicina Desportiva?
O que o estado-da-arte atualmente nos diz é que a gestão de cargas correta e sensata parece ser atualmente o único modo de reduzir - e não evitar - o nº de lesões.
O entendimente da diferença entre ambos os conceitos é fulcral e revela-se como uma fundamental alteração na forma como comunicamos com a equipa técnica e os atletas.
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Pirâmide de Prevenções de Lesão da Football Medicine
Então, devemos procurar evitar que o atleta se lesione, fazendo uma gestão racional e fundamentada da carga. Contudo, num desporto como o futebol, o aparecimento de uma lesão é tão imprevisível como o resultado final, motivo pelo qual as lesões poderão aparecer no mais apto dos atletas. O fator sorte não deixa de estar associado ao aparecimento de lesões - como a tudo o resto no desporto.
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Racional proposto pela Football Medicine "Porque é que o meu atleta se lesionou?
Contudo, como se costuma dizer, a "sorte dá muito trabalho".
De acordo com o Conceito da Navalha de Occam, este diagrama de raciocínio da Football Medicine é particularmente feliz: não adianta andar à procura de pequenos défices ou desequilíbrios, quando a carga imposta aos nossos atletas implica que eles estejam subpreparados, ou fatigados, aquando da competição. Quanto mais simples e óbvia a razão, mais plausível.
Então e o Arsenal?
Acho que podemos ser categóricos numa questão.
Não é, claramente, responsabilidade de um Departamento Médico que devolve os jogadores aptos à atividade a responsabilidade de eles se lesionarem novamente... A menos que seja o próprio Departamento Médico a preparar as sessões de treino.
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Verheijen sugere que o problema é Arséne Wenger.
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A proposta é de que quando chegou ao clube em 1996 Wenger era um jovem e talentoso treinador, com métodos, perspetivas e princípios absolutamente revolucionários. Foi um pioneiro, e isso valeu-lhe títulos. A questão é que o tempo passou, e os métodos do francês não evoluiram com ele.
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Mas aqui, outra questão se levanta: os tempos mudaram e os métodos não, pelo que os métodos de Wenger nos bem-sucedidos finais dos anos 90 e início dos anos 2000 nunca levantaram grandes problemas de lesões - pelo menos, que se saiba. A questão é "relativamente" recente, tendo sido levantada apenas mais ou menos no início desta década. Isto levanta uma questão: a que se deve isto?
- será que as lesões sempre existiram, mas como a bola entrava, ninguém se preocupava?
ou
- as lesões começaram de facto a aparecer apenas no início desta década e os métodos de treino do francês não estão condizentes com o tipo de jogador atual?
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A Síndrome e o Histerismo Leicesteriano
Tudo ganha ainda mais ênfase quando o Leicester de Claudio Ranieri é campeão inglês. Uma equipa modesta que a priori lutaria pela manutenção, emiscuiu-se na luta pelo título e levou a melhor sobre a concorrência cheia de tubarões.
O Leicester passou então a ser um case-study. Como terão eles feito isto? Como trabalham? Qual o segredo?
Como o colocam Alan McCall, Maurizio Fanchini e Aaron J. Coutts num artigo de nome Prediction: The Modern-Day Sport-Science and Sports-Medicine "Quest for the Holy Grail" de 2017, qual a fórmula secreta para o sucesso desportivo?
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Após a ponderação de diversos fatores, chegou-se à conclusão de que o Leicester havia sido campeão e tinha tido uma incidência anormalmente baixa de lesões. Olhou-se para o seu staff médico, o seu staff técnico, o seu staff de performance, e os métodos que usavam foram apelidados da mais nova vaga de conteúdo milagroso na Ciência Desportiva.
Ignorando a míriade de fatores que pode ter contiubuído para isto, toda a gente esperava, com curiosidade, como se desenvolveria o processo Leicester. No ano seguinte, os mesmos staff técnico, médico e de performance conseguiram um modesto lugar na tabela e uma incidência de lesões bem acima da do ano anterior - próximo da média da Premier League do respetivo ano.
Bem-vindos à Era Unai Emery
Terminou a época 2017/2018, Arséne Wenger abandona o clube após mais de 20 anos e espera-se agora o início de uma Era.
O espanhol Unai Emery toma conta do clube londrino e a expectativa é grande: o Arsenal, gigante europeu, condições principescas, clube abastado quando todos contam os trocos - muito à custa da prudente e eficiente gestão de Wenger - parece estar preparado para um novo rumo.
Unai Emery que, de facto, já começou a arrumar a casa.
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Mais do que o Mundo do Desporto em geral, o mundo da Medicina Desportiva está atenta...
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