Dinamometria Isocinética: Pertinente, ou Moda?

21-06-2019

A utilização da Dinamometria Isocinética para avaliação muscular é uma prática tida em grande conta em contexto desportivo. Mas será que isto é justificado pela melhor evidência disponível?

O que é?

Uma contração muscular isocinética diz respeito àquela que ocorre com uma velocidade constante ao longo de todo o movimento. Grande parte das vezes este tipo de contração aparece associada à utilização de instrumentos diferenciados controlados por um dinamómetro, que através de uma válvula hidráulica devolve a força produzida pelo segmento como resistência ao próprio movimento, mantendo a velocidade de deslocação constante [1].

Equipamento Isocinético
Equipamento Isocinético

Esta ferramenta, quando utilizada no âmbito de avaliação das propriedades neuromusculares, permite retirar uma série de informações como o Torque Máximo (máximo de resistência aplicada a uma força externa dinâmica), Torque Angular Específico (resistência a uma força externa em determinada amplitude de movimento), Relação Torque-Velocidade (comportamento da resistência muscular a uma força externa de acordo com determinada velocidade de movimento), e Resistência Muscular (capacidade de um muscular manter a resistência a uma carga externa durante mais tempo), Trabalho Realizado (output de energia mecânica utilizada ao longo de todo o movimento), Potência (Taxa de produção de força, ou seja, a resistência aplicada por unidade de tempo) [1, 2], sendo que todas estas relações podem ser estudadas entre grupos musculares agonistas-antagonistas ou entre membros [1, 3].

Dados e respetiva curva de uma Avaliação Isocinética [2} TAE= Torque Acceleration Energy; AST= Angle-Specific Torque ; PT= Peak Torque;
Dados e respetiva curva de uma Avaliação Isocinética [2} TAE= Torque Acceleration Energy; AST= Angle-Specific Torque ; PT= Peak Torque;

Validade como Medida de Avaliação

De forma global, a Avaliação Isocinética parece ter boas reprodutibilidade e fiabilidade [3, 4, 5, 6], ainda que haja algumas questões associadas e que necessitem de ser estudadas como a diminuição da fiabilidade de alguns dos dados obtidos com o aumento da velocidade de teste [7] ou para aferir os valores de endurance musculares [5]. 

Fiabilidade da Avaliação Isocinética [4]
Fiabilidade da Avaliação Isocinética [4]

Populações Especiais

Ainda que nesta breve revisão a utilidade, fiabilidade e pertinência do Isocinético se vá direcionar mais para a vertente desportiva, estas são estudadas de forma geral numa série de populações específicas demonstrando que a sua utilização como medida de avaliação ou treino pode ser extremamente benéfica. Dentro destas populações encontram-se por exemplo pacientes com Esclerose Múltipla [8], pós- AVE [9, 10] ou até outras condições como a Osteoartrose [11], ainda que nesta ainda haja caminho a percorrer no que diz respeito à investigação.

Podem as crianças ser avaliadas com Dinamometria Isocinética?

[12]
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Aparentemente, não há inconvenientes na avaliação da população pediátrica através de instrumentos isocinéticos, ainda que haja algumas questões importantes a acautelar como a falta de maturação das inserções ósseas e a falta de conhecimento acerca dos mecanismos implicados no desenvolvimentos muscular em pré-adolescentes e adolescentes. Ainda há muita investigação a desenvolver, mas a avaliação isocinética parece ser uma ferramenta viável a utilizar nestas faixas etárias [12].


Utilização e Pertinência no Desporto

Frequentemente o Isocinético é vendido como o Gold-Standard para preditor de lesões dos isquitibiais, o que lhe confere uma enorme procura por parte treinadores, preparadores físicos, departamentos clínicos ou até agentes desportivos. Isto prende-se com o facto de que défices de força dos isquiotibiais e desequilíbrios musculares entre os músculos com inserção na anca sarem fatores de risco para lesões musculares nos isquiotibiais [13], e estas apresentam como uma das lesões mais frequentes no desporto [14]. Transferindo para a informação providenciada pelo isocinético, existe alguma evidência anedótica ou RCT's que propõem então que os valores obtidos poderão apresentar valor preditivo para a ocorrência de lesões nos ísquio-tibiais [15].

As lesões musculares dos Isquio-tibiais são um dos principais problemas na Medicina Desportiva e constituem o  grande motivo para muitas Avaliações Isocinéticas por crença de predição de lesão
As lesões musculares dos Isquio-tibiais são um dos principais problemas na Medicina Desportiva e constituem o grande motivo para muitas Avaliações Isocinéticas por crença de predição de lesão

A verdade é que o avançar da investigação vem contrariar estes dados. Primeiro pelo reconhecimento de que diferentes perfis de força poderiam implicar diferentes interpretações dos achados da avaliação [16], pelo que se tentou estratificar os atletas em diferentes patamares de nível de força obtidos no isocinético e correlacionar esses níveis com uma predisposição para o aparecimento de lesão dos ísquio-tibiais [17], tendo esta tentativa falhado. Neste momento, o estado-da-arte aponta para a insuficiência dos resultados da avaliação isocinética para predizer o aparecimento de lesões [18, 19] , o que acaba por refletir a multi-fatorialidade da lesão.

Correlação entre os resultados da Avaliação Isocinética e o valores de lesão dos Isqui-tibiais [18]
Correlação entre os resultados da Avaliação Isocinética e o valores de lesão dos Isqui-tibiais [18]

Sendo que o motivo que leva à grande frequência com que é usada não é justificada pelos dados disponíveis, será então que a Avaliação Isocinética é inútil?

Apesar disto, esta interpretação não fará jus à utilidade que a avaliação isocinética poderá trazer.

De facto, a avaliação isocinética pode ainda ser bastante útil. Primeiro, porque se apresenta como uma forma objetiva e mensurável de aferir a força muscular e défices que, ainda que não possam predizer lesão, acabam por constituir um dos fatores de risco [20].

Outro dos motivos que poderia justificar a avaliação Isocinética seria a sua transferência para a performance, mas na teoria não parece haver transferência de resultados da Avaliação Isocinética para aumentos de força na capacidade de Força Máxima [21], essa sim já estudada como transferível para a prática [22]. Apesar disto, parece haver dados interessantes que, a par do debunking de conceitos como "Força Funcional", podem posicionar a Avaliação Isocinética como uma ferramenta com uma utilidade; isto advém da correlação já identificada entre resultados obtidos no teste e algumas tarefas desportivas como o sprint [23, 24], o salto [25]. 

Outro dos motivos que podem contribuir para a Avaliação Isocinética implica a sua utilização como sinal comparável. É abordado no estado-da-arte a forma como, ao longo do estado-da-arte, existe durante o decorrer do período competitivo o deteriorar das características de força dos atletas [26], facto que poderá motivar tanto a pertinência de uma avaliação de início de época como o estabelecimento de uma periodicidade de forma a evitar estes decrementos e, assim, perdas na performance ou aumento no risco de lesão [27].


Isocinético na Reabilitação do Ligamento Cruzado Anterior

Para além de todos os motivos que podem implicar alguma pertinência no recurso à Avaliação Isocinética, a verdade é que esta parece ter, segundo o estado-da-arte, a sua principal utilidade em momentos de reabilitação do Ligamento Cruzado Anterior.

Um dos critérios mais comummente utilizados para progressão e Return-to-Play (RtP) na reabilitação do Cruzado Anterior - servindo inclusivamente como preditor do outcome da reabilitação [28] - é o critério de défice de força entre membros e entre agonista-antagonista [29, 30]. Este, não sendo um critério único, estabelece-se como extremamente importante no processo, sendo ainda assim de ressalvar a necessidade de a literatura estabelecer um protocolo único para utilizar nestes casos [31].

Não existindo muitas formas simples de obter uma medida objetiva destes critérios, a Avaliação Isocinética estabelece-se como uma forma muito acessível de o fazer com bastante fiabilidade. 

Para além disso, segundo estudos não publicados, atletas que cumprem todos os critérios de RtP após lesão do LCA, acabam por ficar em risco acrescido de sofrerem uma lesão no LCA contralateral. Isto poderá dever-se ao facto de se estabelecer como sinal comparável o membro são, que poderá não ter sido alvo de manutenção das suas qualidades físicas durante a reabilitação, ou até mesmo estar em défice já previamente ao início da reabilitação [32].

Assim, a utilização do Isocinético como ferramenta de avaliação [33] e mesmo de fortalecimento [33, 34] assume-se como um excelente aliado do Fisioterapeuta para aferir défices funcionais, treiná-los, e ao mesmo tempo monitorizar a progressão do atleta, uma vez que esta deverá constituir um esforço máximo, sempre potenciado pelo Fisioterapeuta [35].

Prós e Contras da Avaliação Isocinética [33]
Prós e Contras da Avaliação Isocinética [33]

Conclusão

É fundamental compreender a Avaliação Isocinética não como conhecimento, mas como informação, que deveremos depois usar juntamente com uma série de outros dados para estabelecer planos e medidas de prevenção ou aumento de performance [27]. Desta forma, ainda que possam providenciar alguns dados interessantes para a prática clínica e utilização em meio desportivo, é bom relembrar que a sua pertinência é maior em atletas lesionados e que a Avaliação Isocinética poderá ajudar - mas não constitui - a melhor forma de se avaliar a ganhos em força e da sua transferência para a prática.

Por este motivo, a pertinência da Avaliação Isocinética prende-se com a obtenção de dados basais que poderão ser utilizados em caso de lesão, para além de poder ainda auxiliar na prescrição da tipologia do treino individualizado para o atleta. É contudo, tão importante como isto, não atribuir ao Isocinético a capacidade de, isoladamente, predizer a incidência de lesões.


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