Comunicação em Fisioterapia Desportiva
É dada cada vez mais ênfase à forma como a comunicação entre Fisioterapeuta e paciente influencia, não só a adesão terapêutica, mas também os resultados obtidos da intervenção. Seja qual for a ocasião, o Fisioterapeuta só tem uma oportunidade de estabelecer uma primeira impressão. Se em contexto clínico isto é importante, mas pode ser contornado pelo simples facto de que, terminado o processo de reabilitação (ou, nos casos mais complicados, até antes) o terapeuta e o paciente não voltam a encontrar-se, no desporto isto não sucede.
Precisamos então de colocar em cima da mesa a forma como comunicamos com os nossos atletas. No desporto, m muitos casos, o Departamento Médico é o local onde os atletas passam grande parte do seu tempo, seja a precisar de cuidados médicos ou não, Isto, tendo em consideração também que o processo de criação de confiança está constantemente a acontecer e que em todos os momentos, quer queira quer não, o fisioterapeuta está a ser julgado - e não é uma forma de dizer - pelos atletas, este deve ser altamente profícuo e eficiente na sua forma de comunicar. Eficiente sim, porque a verdade é que quanto mais falarmos, mais nos expômos a dizer algo que possa ser errado ou simplesmente mal-interpretado pelos atletas.
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"A confiança é como um espelho: depois de partida, nunca mais será a mesma coisa."
Neste sentido, ficam algumas putativas dicas de forma a otimizar a forma como o Fisioterapeuta comunica dentro da sua estrutura de trabalho, independentemente do interveniente com quem o faz.
É importante referir que estas dicas nunca funcionam sozinhas, mas sim que estão constantemente associadas e que sempre que comunicamos devemos tê-las todas em consideração.
Ser criterioso
Como refletido acima, tudo aquilo que o Fisioterapeuta diz está sujeito a escrutínio (no sentido profissional). Em todos os momentos enquanto se está em contexto laboral e a abordar assuntos relacionados com o trabalho a ser desenvolvido pelo Fisioterapeuta, a informação que este veicula não está só a ser colocada cá fora pelo Fisioterapeuta: antes, está a ser interpretada pelos seu ou seus atletas, muitas vezes de forma disforme por um ou vários, e raramente da mesma forma por todos. Todas as decisões que se tomam no âmbito da Medicina Desportiva vão acompanhar-nos durante todo o processo terapêutico... Só que este neste caso não são 2 meses em que vemos a pessoa 3 vezes por semanas, mas sim 10 meses em que vemos o atleta praticamente todos os dias; e acreditem, eles não deixam escapar nada.
O que fazer?
Assim, e tendo em consideração este escrutínio constante, não há melhor forma que ser curto e conciso: dizer aquilo que sabemos, sendo grandes floreados, respondendo às questões colocadas dentro do que sabemos, procurando esclarecer mas nunca criar a necessidade de mais questões. Lembrem-se: isto não é por não querermos responder ou termos medo do que dizemos, mas sim porque poderá muitas vezes acontecer de não estarmos a ser interpretados da forma que queremos.
Rigor
Mais frequentemente do que não, vamos ouvir atletas e treinadores sugerir-nos se a dor que aquele atleta sente é só uma contratura, ou se teve um pequeno estiramento. Noutros casos, mais confusos ainda, perguntarão se aquilo não é só uma contraturazinha ou um estiramentozinho.
Para além disso, haverá atletas a ter a primeira lesão aos 27 anos e a atribui-la a "desequilíbrios" musculares que descobriu aos 10, jogadores que sentem ossos fora do sítio, pedidos por suplementação vitamínica de atletas que dormem pouco, ou treinadores a queixarem-se-nos que os seus atletas não treinam o suficiente para se sentirem cansados, quando não fazem ideia da carga objetiva, ou do impacto subjetivo, que o treino causou nos jogadores.
Quando deparados com tantas informações e dogmas aleatórios o fisioterapeuta vê-se muitas vezes entre a espada e a parede sobre se deverá confirmar uma crença, estando a deseducar o atleta, ou ser rigoroso e ter de explicar informação que irá desmontar as crenças de quem ouve.
O que fazer?
Saber do que se está a falar. É o primeiro e grande passo para se ser rigoroso na informação que se veicula. Saber explicar concretamente qual a entidade clínica que se procura e/ou que se encontra, conhecer as suas implicações, e conhecer a liguagem técnica necessária, antes de se passá-la para linguagem acessível aos restantes intervenientes. Abandonar nomenclaturas desatualizadas, incongruente ou simplesmente erradas como estiramentos, contraturas, inflamações em tudo quando é sítio, tendinites... E, se necessário, explicá-las em concreto a quem o requerer.
Naturalmente que à volta haverá muitas atitudes deletérias desta; "mas eu conheço um fisio que disse que era uma contratura", "já vi uma coisa igual e disseram-me que era um estiramento", "Sinto aqui alguma coisa, deve ser uma micro-rutura", "na eco o tendão está inflamado, por isso é só uma tendinite".
Objetivamente, uma coisa importante a fazer é desmistificar conceitos. Dizer a um atleta que micro-ruturas não existem e que, na verdade, quando existem é depois do treino e são processos fisiológicos e necessários do organismo, não vai deseducar um atleta; pelo contrario. Vai capacitá-lo a compreender melhor o seu corpo e as suas dores e, depois de explicados os fenómenos, a perceber se a dor que sente será normal ou se, por outro lado, requer a atenção de um profissional. Abolir o medo de termos como "rutura muscular" e o emprego das suas substituições inespecíficas, uma vez que um atleta aceita ter um estiramento que o faça parar duas semanas mas teme quando lhe dizem que tem uma lesão 2b que o obriga a parar... Duas semanas.
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Ser íntegro (ou Não tomar partidos)
Num contexto em que se joga muitas vezes tanto fora como dentro do campo, e no qual muitas vezes existe enorme competitividade dentro do plantel, a forma como nos relacionámos com determinado jogador influencia não só essa própria relação, como, hipoteticamente, a relação com o seu "rival" de posição. Isto não implica que o fisioterapeuta fale apenas com aqueles que não têm rivais diretos na equipa, nem que ande com um cronómetro de forma a falar o mesmo tempo com toda a gente; contudo, e sendo esta uma questão inerte às relações humans, acabaremos sempre por ter atletas que, pelas suas dimensões sociais, humanas, académicas, culturais ou outras, com os quais nos identificamos mais.
O que fazer?
Evitar, por exemplo, tecer comentários às capacidades técnicas dos atletas. Muitas vezes, pela inserção normal no contexto, o fisioterapeuta acaba a participar em muitas das brincadeiras dos atletas. Não haveria problema, à exceção do facto de que nós não sabemos sempre quem está a ouvir e como o interpreta, ainda que com o tempo acabemos por conhecer os atletas. Ainda assim, comentar o desempenho ou a qualidade desportiva de um atleta pode ser perigoso, mesmo quando feito sem maldade. Estamos no desporto para fazer o nosso trabalho; e é a vertente clínica ou de performance física que temos de avaliar e na qual nos devemos emiscuir e sobre a qual devemos opinar; e de preferência, ao próprio atleta ou à equipa técnica. Evitemos falar de outros assuntos deportivos sobre os quais não temos jurisdição.
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Ser honesto
Tirando as contingências deontológicas como as questões de sigilo ou informação que, sendo veiculada, não viesse a otimizar o estado do atleta, devemos primar pela honestidade. Se um atleta tem uma rutura muscular de grau 3b e o prognóstico é, pensamos nós, 2 meses, caso optemos por transmiti-lo devemos fazê-lo dentro da verdade, independentemente de sabermos que o atleta estava numa fase crucial da carreira e sentirmos a sua ânsia em receber boas notícias, ou de querermos ficar bem vistos no processo e sugerir que conseguiremos pô-lo a jogar antes do tempo de reabilitação terminar.
O que fazer?
Para além de, naturalmente, sabermos a informação que queremos transmitir, devemos assegurar-nos de que aquilo que dizemos vem do nosso parecer profissional e não é, ou é o menos possível, influenciado pelas nossas crenças. Devemos pensar que a forma como eu vivo a lesão do jogador ou a forma como acredito ou não em determinada coisa não faz dela mais ou menos verdadeira; então, passemos a mensagem como ela é (ou como achamos que é, mas sem lhe fazermos "ajustes").
Se disseres a verdade, não tens de te lembrar de nada.
Mark Twain
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Não recear a ignorância
Ninguém sabe tudo. Isso é ponto assente. Como em qualquer área de interesse, aquilo que um profissional saberá será proporcional àquilo que o profissional estudou; e tendo isso em consideração, é utópico achar que alguém, seja no que for, estudou de forma totalmente aprofundada tudo o que existe no seu campo de competências.
Sabendo nós que no desporto somos então avaliados com uma tal frequência, é natural que receemos a nossa exposição de dúvida ou a assustadora frase do "Eu não sei".
O que fazer?
Um atleta chega com queixas de mazelas em ambos os peroniais e pergunta o que nos parece. Após avaliar, concluimos que, objetiva e literalmente, não sabemos porque é que lhe dói aquela zona.
Neste momento poderá ser útil avaliar aquilo que o atleta sabe sobre a sua condição; já a teve antes? Quando foi? Parece-lhe haver algo de coincidente em ambos os eventos? Se sim, o quê?
A verdade é que este processo de raciocínio é perigoso, O atleta estabelece uma relação entre o estado do relvado e as dores; podemos dizer que sim e estar a criar um nocebo no atleta ao atribuir a essa causar e intervencionar - sempre que o relvado estiver duro, o atleta vai regressar para o mesmo tratamento, porque voltou a ter aquelas dores.
Ou podemos dizer ao atleta que avaliámos e não sabemos o que ele tem - oferecemos dados concretos da fisiologia biológica dos tecidos e do seu comportamente e dizemos a tão difícil frase "não sei porque tens essa dor". E não tratamos. Oferecemos alternativas para o atleta gerir a sua dor que não passem pela dependência de um locus externo, e oferecemo-nos para que ele recorra a nós sempre que necessitar: mas que, em casos como este, ele poderá sempre conseguir geri-los em primeira instância.
Se o caso é mais sério e se tratar de uma lesão de facto, mas não nos sentirmos na posse das ferramentas necessárias, então, neste caso favoravelmente quando comparado com o contexto clínico, dificilmente a situação será de vida ou de morte - e se fosse não seríamos nós certamente os responsáveis principais por resolvê-la, então o "eu não sei" é só uma boa ferramenta: não é por proporcionar o resultado da avaliação ou iniciar a intervenção um dia depois que o outcome da reabilitação piora; e no entretanto, fomos estudar e estamos muito mais preparados.
Mais uma vez, é importante ressalvar: se não soubermos algo e transmitirmos uma informação errada, mais tarde ou mais cedo vamos ser confrontados com ela. Sejamos defensivos.
"Se pensas que estudar é difícil, não queiras experimentar ser ignorante".
Ser preocupado
Toda a gente gosta de ter alguém que se preocupa consigo. Na verdade, quando somos fisioterapeutas, e mesmo muitas vezes em contextos em que estamos sozinhos no nosso contexto laboral, sentimo-nos sobrecarregados de trabalho. 23 atletas representam 23 hipóteses de necessidades de cuidados pré e pós treino, e se providenciá-los a 10 já é um verdadeiro absurdo, temos de pensar que os restantes que queriam e não tiveram não vão pensar, pelo menos num primeiro momento, no nosso lado nem ter uma atitude compreensiva.
Num processo de reabilitação isto ganha ainda mais ênfase; ao ter três atletas para reabilitar, teremos de ser capazes de nos desdobrar em atenção e preocupações com todos, muitas vezes independentemente das fases das suas lesões (dado que muitas vezes o atleta tem dificulade em compreender que um atleta no Return to Play necessita de uma atenção diferente de outro na fase inflamatória). Assegurar que não perdemos o atleta por (aparente) desinteresse pode tornar-se muitas vezes uma tarefa tão difícil como propriamente providenciar-lhe cuidados.
Se é verdade que sim, toda a gente gosta de alguém que se preocupe consigo, também é verdade que muitas vezes o suprimento desta necessidade de atenção pode vir sob a forma de estratégias relativamente simples. Comunicar-se regularmente com os atletas em questão, procurar saber em que estado se encontram depois de acordar ou se a intervenção do dia anterior lhes causou uma influ~encia significativa pode ser a diferença entre ter um atleta que está motivado para a reabilitação ou um atleta que se sente desamparado.
Para além disto, a capacidade de gestão e organização de um fisioterapeuta é fundamental neste aspeto. Com organização não se quer dizer a forma como os diferentes atletas rodam entre si entre os aprelhos de TENS, o ultra-som, o calor e as massagens. Com organização refere-se por exemplo ao establecimento antecipado do protocolo de intervenção, por exemplo na redação dos exercício e a sua trasmissão de forma precoce ao atleta, Para além de, mais uma vez, o fazer parte (principal) da reabilitação, isto coloca o locus em si e não em agentes externos, fazendo-o compreender que o atleta não precisa de atenção - mas sim de compromisso.
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Existem uma série de outros conceitos de Saúde que iremos abordar noutra altura, mas em última instância a comunicação em contexto de Desporto não é muito diferente dos outros contextos. Devemos capacitar e educar o paciente, reduzir a nossa presença ao mínimo indispensável e ser uma figura de confiança, e de conhecimento, junto dos atletas e equipa técnica.
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