Comunicação em Fisioterapia Desportiva

10-09-2018

É dada cada vez mais ênfase à forma como a comunicação entre Fisioterapeuta e paciente influencia, não só a adesão terapêutica, mas também os resultados obtidos da intervenção. Seja qual for a ocasião, o Fisioterapeuta só tem uma oportunidade de estabelecer uma primeira impressão. Se em contexto clínico isto é importante, mas pode ser contornado pelo simples facto de que, terminado o processo de reabilitação (ou, nos casos mais complicados, até antes) o terapeuta e o paciente não voltam a encontrar-se, no desporto isto não sucede.

Precisamos então de colocar em cima da mesa a forma como comunicamos com os nossos atletas. No desporto, m muitos casos, o Departamento Médico é o local onde os atletas passam grande parte do seu tempo, seja a precisar de cuidados médicos ou não, Isto, tendo em consideração também que o processo de criação de confiança está constantemente a acontecer e que em todos os momentos, quer queira quer não, o fisioterapeuta está a ser julgado - e não é uma forma de dizer - pelos atletas, este deve ser altamente profícuo e eficiente na sua forma de comunicar. Eficiente sim, porque a verdade é que quanto mais falarmos, mais nos expômos a dizer algo que possa ser errado ou simplesmente mal-interpretado pelos atletas.

"A confiança é como um espelho: depois de partida, nunca mais será a mesma coisa."

Neste sentido, ficam algumas putativas dicas de forma a otimizar a forma como o Fisioterapeuta comunica dentro da sua estrutura de trabalho, independentemente do interveniente com quem o faz.

É importante referir que estas dicas nunca funcionam sozinhas, mas sim que estão constantemente associadas e que sempre que comunicamos devemos tê-las todas em consideração.


Ser criterioso

Como refletido acima, tudo aquilo que o Fisioterapeuta diz está sujeito a escrutínio (no sentido profissional). Em todos os momentos enquanto se está em contexto laboral e a abordar assuntos relacionados com o trabalho a ser desenvolvido pelo Fisioterapeuta, a informação que este veicula não está só a ser colocada cá fora pelo Fisioterapeuta: antes, está a ser interpretada pelos seu ou seus atletas, muitas vezes de forma disforme por um ou vários, e raramente da mesma forma por todos.  Todas as decisões que se tomam no âmbito da Medicina Desportiva vão acompanhar-nos durante todo o processo terapêutico... Só que este neste caso não são 2 meses em que vemos a pessoa 3 vezes por semanas, mas sim 10 meses em que vemos o atleta praticamente todos os dias; e acreditem, eles não deixam escapar nada.

O que fazer?

Assim, e tendo em consideração este escrutínio constante, não há melhor forma que ser curto e conciso: dizer aquilo que sabemos, sendo grandes floreados, respondendo às questões colocadas dentro do que sabemos, procurando esclarecer mas nunca criar a necessidade de mais questões. Lembrem-se: isto não é por não querermos responder ou termos medo do que dizemos, mas sim porque poderá muitas vezes acontecer de não estarmos a ser interpretados da forma que queremos.


Rigor

Mais frequentemente do que não, vamos ouvir atletas e treinadores sugerir-nos se a dor que aquele atleta sente é só uma contratura, ou se teve um pequeno estiramento. Noutros casos, mais confusos ainda, perguntarão se aquilo não é só uma contraturazinha ou um estiramentozinho. 

Para além disso, haverá atletas a ter a primeira lesão aos 27 anos e a atribui-la a "desequilíbrios" musculares que descobriu aos 10, jogadores que sentem ossos fora do sítio, pedidos por suplementação vitamínica de atletas que dormem pouco, ou treinadores a queixarem-se-nos que os seus atletas não treinam o suficiente para se sentirem cansados, quando não fazem ideia da carga objetiva, ou do impacto subjetivo, que o treino causou nos jogadores.

Quando deparados com tantas informações e dogmas aleatórios o fisioterapeuta vê-se muitas vezes entre a espada e a parede sobre se deverá confirmar uma crença, estando a deseducar o atleta, ou ser rigoroso e ter de explicar informação que irá desmontar as crenças de quem ouve.

O que fazer?

Saber do que se está a falar. É o primeiro e grande passo para se ser rigoroso na informação que se veicula. Saber explicar concretamente qual a entidade clínica que se procura e/ou que se encontra, conhecer as suas implicações, e conhecer a liguagem técnica necessária, antes de se passá-la para linguagem acessível aos restantes intervenientes. Abandonar nomenclaturas desatualizadas, incongruente ou simplesmente erradas como estiramentos, contraturas, inflamações em tudo quando é sítio, tendinites... E, se necessário, explicá-las em concreto a quem o requerer.

Naturalmente que à volta haverá muitas atitudes deletérias desta; "mas eu conheço um fisio que disse que era uma contratura", "já vi uma coisa igual e disseram-me que era um estiramento", "Sinto aqui alguma coisa, deve ser uma micro-rutura", "na eco o tendão está inflamado, por isso é só uma tendinite".

Objetivamente, uma coisa importante a fazer é desmistificar conceitos. Dizer a um atleta que micro-ruturas não existem e que, na verdade, quando existem é depois do treino e são processos fisiológicos e necessários do organismo, não vai deseducar um atleta; pelo contrario. Vai capacitá-lo a compreender melhor o seu corpo e as suas dores e, depois de explicados os fenómenos, a perceber se a dor que sente será normal ou se, por outro lado, requer a atenção de um profissional. Abolir o medo de termos como "rutura muscular" e o emprego das suas substituições inespecíficas, uma vez que um atleta aceita ter um estiramento que o faça parar duas semanas mas teme quando lhe dizem que tem uma lesão 2b que o obriga a parar... Duas semanas.


Ser íntegro (ou Não tomar partidos)

Num contexto em que se joga muitas vezes tanto fora como dentro do campo, e no qual muitas vezes existe enorme competitividade dentro do plantel, a forma como nos relacionámos com determinado jogador influencia não só essa própria relação, como, hipoteticamente, a relação com o seu "rival" de posição. Isto não implica que o fisioterapeuta fale apenas com aqueles que não têm rivais diretos na equipa, nem que ande com um cronómetro de forma a falar o mesmo tempo com toda a gente; contudo, e sendo esta uma questão inerte às relações humans, acabaremos sempre por ter atletas que, pelas suas dimensões sociais, humanas, académicas, culturais ou outras, com os quais nos identificamos mais.

O que fazer?

Evitar, por exemplo, tecer comentários às capacidades técnicas dos atletas. Muitas vezes, pela inserção normal no contexto, o fisioterapeuta acaba a participar em muitas das brincadeiras dos atletas. Não haveria problema, à exceção do facto de que nós não sabemos sempre quem está a ouvir e como o interpreta, ainda que com o tempo acabemos por conhecer os atletas. Ainda assim, comentar o desempenho ou a qualidade desportiva de um atleta pode ser perigoso, mesmo quando feito sem maldade. Estamos no desporto para fazer o nosso trabalho; e é a vertente clínica ou de performance física que temos de avaliar e na qual nos devemos emiscuir e sobre a qual devemos opinar; e de preferência, ao próprio atleta ou à equipa técnica. Evitemos falar de outros assuntos deportivos sobre os quais não temos jurisdição.


Ser honesto

Tirando as contingências deontológicas como as questões de sigilo ou informação que, sendo veiculada, não viesse a otimizar o estado do atleta, devemos primar pela honestidade. Se um atleta tem uma rutura muscular de grau 3b e o prognóstico é, pensamos nós, 2 meses, caso optemos por transmiti-lo devemos fazê-lo dentro da verdade, independentemente de sabermos que o atleta estava numa fase crucial da carreira e sentirmos a sua ânsia em receber boas notícias, ou de querermos ficar bem vistos no processo e sugerir que conseguiremos pô-lo a jogar antes do tempo de reabilitação terminar.

O que fazer?

Para além de, naturalmente, sabermos a informação que queremos transmitir, devemos assegurar-nos de que aquilo que dizemos vem do nosso parecer profissional e não é, ou é o menos possível, influenciado pelas nossas crenças. Devemos pensar que a forma como eu vivo a lesão do jogador ou a forma como acredito ou não em determinada coisa não faz dela mais ou menos verdadeira; então, passemos a mensagem como ela é (ou como achamos que é, mas sem lhe fazermos "ajustes").

Se disseres a verdade, não tens de te lembrar de nada.

Mark Twain

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Não recear a ignorância

Ninguém sabe tudo. Isso é ponto assente. Como em qualquer área de interesse, aquilo que um profissional saberá será proporcional àquilo que o profissional estudou; e tendo isso em consideração, é utópico achar que alguém, seja no que for, estudou de forma totalmente aprofundada tudo o que existe no seu campo de competências.

Sabendo nós que no desporto somos então avaliados com uma tal frequência, é natural que receemos a nossa exposição de dúvida ou a assustadora frase do "Eu não sei".

O que fazer?

Um atleta chega com queixas de mazelas em ambos os peroniais e pergunta o que nos parece. Após avaliar, concluimos que, objetiva e literalmente, não sabemos porque é que lhe dói aquela zona.

Neste momento poderá ser útil avaliar aquilo que o atleta sabe sobre a sua condição; já a teve antes? Quando foi? Parece-lhe haver algo de coincidente em ambos os eventos? Se sim, o quê?

A verdade é que este processo de raciocínio é perigoso, O atleta estabelece uma relação entre o estado do relvado e as dores; podemos dizer que sim e estar a criar um nocebo no atleta ao atribuir a essa causar e intervencionar - sempre que o relvado estiver duro, o atleta vai regressar para o mesmo tratamento, porque voltou a ter aquelas dores.

Ou podemos dizer ao atleta que avaliámos e não sabemos o que ele tem - oferecemos dados concretos da fisiologia biológica dos tecidos e do seu comportamente e dizemos a tão difícil frase "não sei porque tens essa dor". E não tratamos. Oferecemos alternativas para o atleta gerir a sua dor que não passem pela dependência de um locus externo, e oferecemo-nos para que ele recorra a nós sempre que necessitar: mas que, em casos como este, ele poderá sempre conseguir geri-los em primeira instância.

Se o caso é mais sério e se tratar de uma lesão de facto, mas não nos sentirmos na posse das ferramentas necessárias, então, neste caso favoravelmente quando comparado com o contexto clínico, dificilmente a situação será de vida ou de morte - e se fosse não seríamos nós certamente os responsáveis principais por resolvê-la, então o "eu não sei" é só uma boa ferramenta: não é por proporcionar o resultado da avaliação ou iniciar a intervenção um dia depois que o outcome da reabilitação piora; e no entretanto, fomos estudar e estamos muito mais preparados.

Mais uma vez, é importante ressalvar: se não soubermos algo e transmitirmos uma informação errada, mais tarde ou mais cedo vamos ser confrontados com ela. Sejamos defensivos.

"Se pensas que estudar é difícil, não queiras experimentar ser ignorante".


Ser preocupado

Toda a gente gosta de ter alguém que se preocupa consigo. Na verdade, quando somos fisioterapeutas, e mesmo muitas vezes em contextos em que estamos sozinhos no nosso contexto laboral, sentimo-nos sobrecarregados de trabalho. 23 atletas representam 23 hipóteses de necessidades de cuidados pré e pós treino, e se providenciá-los a 10 já é um verdadeiro absurdo, temos de pensar que os restantes que queriam e não tiveram não vão pensar, pelo menos num primeiro momento, no nosso lado nem ter uma atitude compreensiva.

Num processo de reabilitação isto ganha ainda mais ênfase; ao ter três atletas para reabilitar, teremos de ser capazes de nos desdobrar em atenção e preocupações com todos, muitas vezes independentemente das fases das suas lesões (dado que muitas vezes o atleta tem dificulade em compreender que um atleta no Return to Play necessita de uma atenção diferente de outro na fase inflamatória). Assegurar que não perdemos o atleta por (aparente) desinteresse pode tornar-se muitas vezes uma tarefa tão difícil como propriamente providenciar-lhe cuidados.


O que fazer?

Se é verdade que sim, toda a gente gosta de alguém que se preocupe consigo, também é verdade que muitas vezes o suprimento desta necessidade de atenção pode vir sob a forma de estratégias relativamente simples. Comunicar-se regularmente com os atletas em questão, procurar saber em que estado se encontram depois de acordar ou se a intervenção do dia anterior lhes causou uma influ~encia significativa pode ser a diferença entre ter um atleta que está motivado para a reabilitação ou um atleta que se sente desamparado.

Para além disto, a capacidade de gestão e organização de um fisioterapeuta é fundamental neste aspeto. Com organização não se quer dizer a forma como os diferentes atletas rodam entre si entre os aprelhos de TENS, o ultra-som, o calor e as massagens. Com organização refere-se por exemplo ao establecimento antecipado do protocolo de intervenção, por exemplo na redação dos exercício e a sua trasmissão de forma precoce ao atleta, Para além de, mais uma vez, o fazer parte (principal) da reabilitação, isto coloca o locus em si e não em agentes externos, fazendo-o compreender que o atleta não precisa de atenção - mas sim de compromisso.



Existem uma série de outros conceitos de Saúde que iremos abordar noutra altura, mas em última instância a comunicação em contexto de Desporto não é muito diferente dos outros contextos. Devemos capacitar e educar o paciente, reduzir a nossa presença ao mínimo indispensável e ser uma figura de confiança, e de conhecimento, junto dos atletas e equipa técnica.

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