Medicina Desportiva - O papel do Fisioterapeuta

20-03-2018

Qual é, afinal, o espectro de funções do Fisioterapeuta no Desporto?


A Fisioterapia - o que é?

Fisioterapia é definida como "um serviço realizado por fisioterapeutas a indivíduos ou populações de forma a desenvolver, manter ou restaurar a habilidade funcional máxima em qualquer faixa etária". Neste processo, o fisioterapeuta deve atuar de acordo com as competências técnicas e científicas que lhe são reconhecidas [1] dentro de uma equipa transdisciplinar, e tem como principais pressupostos a avaliação daquela que é a sua ferramenta primordial - o movimento -, o estabelecimento de objetivos e a delineação de um plano de intervenção, sempre em consonância com o paciente, a sua família, o seu contexto, e os restantes profissionais envolvidos [1,2].

Na Classificação de Profissões Portuguesas de 2010, o Fisioterapeuta é consagrado como um "Especialista das atividades intelectuais e científicas" na área da saúde, cujo nível de competências é o 4, definido como "(...) execução de tarefas que requerem a resolução de problemas complexos e a investigação de domínios específicos, diagnóstico e tratamento de doenças (...)" e que terá de possuir no mínimo o nível académico do primeiro ciclo do Ensino Superior [3].

Este possui conhecimentos específicos de diversas áreas: as Ciências Humanas, da Comunicação e Sociais (de forma a aumentar a adesão dos pacientes e promovendo uma relação saudável inter-pares e com os restantes profissionais); Ciências da Saúde (conhecimentos aprofundados de diversas disciplinas como Anatomia, Fisiologia e Biomecânica); e Ciências da Educação (aprofundando continuamente a sua formação e a formação dos demais através da pesquisa e formulação de conteúdos científicos atualizados e fidedignos) [1].

A Fisioterapia e a sua inserção no Desporto

Devido à muito abrangente área de ação potencial do Fisioterapeuta, muitos acabaram por se especializar numa área em específico [4]. Isto acaba por ser necessário, uma vez que é impossível ter-se um conhecimento específico alargado em todas as áreas da Fisioterapia, sendo que esse conhecimento profundo de determinada área é um dos fatores que asseguram uma boa prática profissional.

Um Fisioterapeuta Desportivo deve ser capaz de evidenciar as suas qualidades na promoção da prática de atividade física de forma segura, providenciar aconselhamento, e ser crítico e adaptar processos de treino e reabilitação [4,5], de forma a atingir as competências que no seu trabalho devem ser claras, tudo isto enquanto mantém uma prática deontológica irrepreensível.

Foram definidas como sendo competências chave de um Fisioterapeuta no Desporto as seguintes:

1. Prevenção de Lesões
2. Intervenção imediata

3. Reabilitação
4. Melhoria da Performance
5. Promoção de um estilo de vida Saudável e ativo

6. Aprendizagem contínua

7. Profissionalismo e Gestão Profissional

8. Envolvimento na Investigação

9. Disseminação de uma boa prática profissional

10. Inovação nos procedimentos utilizados

11. Promoção de Fair-Play e uma atitude anti-dopagem

Desta forma, sendo a Fisioterapia Desportiva uma especialização da Fisioterapia, esta deve assentar nos princípios básicos desta que a precede, desenvolvendo sobre ela os pressupostos e conhecimentos específicos que lhe são necessários para o exercício da sua função. Cada um destes pontos será esmiuçado noutra ocasião.

Contudo, os padrões profissionais do Fisioterapeuta Desportivo não devem ser avaliados de acordo com os seus procedimentos de avaliação e intervenção, uma vez que estes estão sob constante reflexão e adaptação [4]. Antes, o que deverá ser alvo de escrutínio é a qualidade e validade dos pressupostos que estão na base da sua aplicação, ou seja, a forma crítica e baseada na evidência através da qual o Fisioterapeuta é capaz de resolver problemas; não é questão se as técnicas que o Fisioterapeuta Desportivo usa são básicas ou mais avançadas, uma vez que é expectável que o desenvolvimento científico e tecnológico seja permanente, mas sim se estas são válidas e justificadas de acordo com o estado-da-arte (cuja base que o sustenta deve ser avaliado de forma crítica, ponderando acerca da sua metodologia, aplicabilidade e resultados).

O Fisioterapeuta como parte de uma Equipa Multidisciplinar

Para além disso, e tendo sempre em mente a sua autonomia e cumprimento de objetivos, o Fisioterapeuta Desportivo está incluído numa vasta gama de profissionais que pode trabalhar dentro de um Departamento Médico, e não é desprezível a sua contribuição em termos de conhecimentos, capacidades e atitudes para o funcionamento deste. Contudo, a sua prática clínica também deverá ter sempre em consideração a opinião dos restantes que trabalham consigo, assim como reconhecer quando determinada prática já não está sob a sua jurisdição, sendo capaz de referir qual o colega mais indicado para quem reencaminhar o atleta [4].

Neste aspeto, Gabbett et al. referem algumas práticas que um Departamento Médico poderá adotar de forma a melhorar a sua comunicação e, consequentemente, o seu rendimento.

Para que este seja o mais profícuo possível, o Departamento Médico deverá começar por estabelecer o seu propósito, utilizando estratégias que, sendo simples, sejam também o mais eficazes possível- isto passa muitas vezes por fazer as pequenas coisas. Para isto, é necessário que estejam constantemente a par da mais recente evidência científica, evitando práticas obsoletas e discutindo possíveis upgrades. Naturalmente que, dentro de um Departamento Médico, muitas vezes é necessário discutir e trocar ideias contrastantes, então Gabbett et al. sugerem que os profissionais que o constituem sejam também capazes de conversar de forma leviana dos mais variados assuntos; ele pergunta "se não conseguem ter as conversas fáceis, como conseguirão ter as difíceis?". Por outro lado, esta diversidade de ideias e pessoas é sugerida como sendo um ponto a favor, uma vez que a ciência se constrói a partir de raciocínio, e não de verdades absolutas, não devendo no entanto passar-se uma ideia de discórdia de dentro do Departamento Médico, respeitando-se que a opinião que daí sai deve sair em unanimidade. O que acontece no Posto Médico, fica no Posto Médico.

Com tudo isto, o Departamento Médico não se deve esquecer do fundamental: o objetivo é o rendimento dos atletas, e estes sim deverão ser o enfoque da sua prática. O Departamento Médico deve estar lá para apoiar a Equipa Técnica e os jogadores, e não vice-versa [6].

A Evidência e o Benchmarking na Fisioterapia Desportiva

Sendo o Fisioterapeuta então um profissional especializado, com um grau académico elevado e de literacia considerável, com um corpo de saberes muito abrangente e que o distingue de muitos dos demais profissionais na área da saúde, é fundamental, como já referido, este esteja ao corrente da mais recente evidência científica.

De todo o espectro de atitudes que o Fisioterapeuta deve ter, sublinham-se evitar o Nocebo, respeitar o Placebo não baseando nele a sua intervenção, disseminar conteúdo científico fiável e estar confortável ao questionar e ser questionado quanto à fiabilidade da informação gerada, educar a população em geral e ser responsável nas suas intervenções.

É de especial importância estar atento a um fenómeno - fazendo um paralelismo com a área da Fisioterapia, é sabido que estando nós numa época em que há cada vez mais ênfase na prática de atividade física, parece estranho à primeira vista mas torna-se natural a um olhar mais cuidadoso, que haja cada vez mais lesões. Pois bem, uma vez que vivemos numa época com tanta informação e com o acesso a ela tão facilitado, só é natural que cada vez mais ocorra um processo de desinformação.

Franco Impellizzeri reflete sobre esta dinâmica de surgimento de evidência científica a qualquer clique. Num artigo para o International Journal of Sports Physiology and Performance, expõe como a forma como cada vez mais material científico é posto ao alcance do grande público pode ser perigoso. A banalização ao acesso de plataformas de artigos como a Pubmed, a criação de infográficos - ferramenta simples e intuitiva - com conclusões demasiado simplistas e a elaboração de material altamente reputado na comunidade científica como Meta-Análises e Revisões Sistemáticas a partir de estudos de qualidade duvidosa [7], fazem com que hoje em dia qualquer profissional de saúde literado tenha dentro das suas competências estar imbuído de espírito crítico e ser uma barreira e um filtro daquilo que é evidência pseudo-científica. No Desporto, isto não é diferente e os Fisioterapeutas envolvidos neste contexto devem ser constante e concomitantemente reflexivos e críticos, quer quanto às práticas das quais são testemunhas, quer, mais importante até, quanto às suas próprias práticas. Este deve zelar para ser considerado uma referência, não pela autoridade ou grau académico, mas sim pelo conteúdo credível e informado da informação que veicula.

Assim, esta prática clínica refletida e responsável, uma atitude positiva e construtiva de trabalho perante os pares e os restantes intervenientes do contexto Desportivo e uma constante informação e estudo acerca da temática, definem aquilo que será a prática diária de um Fisioterapeuta Desportivo. Não é de menosprezar a paixão à causa, mas ser apaixonado não chega para se ser bom profissional; ajuda, mas não chega.

Bibliografia

[1] APFisio. (2017). O que é a Fisioterapia - Estatuto Legal. Retrieved Março 19, 2018, from APFisio: https://www.apfisio.pt/o-que-e-a-fisioterapia/estatuto-legal/
[2] WCPT. (2015, Maio). World Confederation of Physical Therapy, 18th General Meeting of WCPT. Retrieved Março 2018, 16, from Policy statement: Description of physical therapy: https://www.wcpt.org/policy/ps-descriptionPT

[3] Instituto Nacional de Estatística, I. (2011). Classificação Portugesa das Profissões de 2010.
[4] Bulley, C., Donaghy, M., Coppoolse, R., Bizzini, M., van Cingel, R., DeCarlo, M., Dekker, L., Grant, M., Meeusen, R., Phillips, N., & Risberg, M. (2005) Sports Physiotherapy Competencies and Standards. Sports Physiotherapy For All Project. [online] Available at: www.SportsPhysiotherapyForAll.org/publications
[5] Buchheit, M. (2017). Want to see my report, Coach? Aspetar Sports Medicine Journal , 34-38.

[6] Gabbett, T., Kearney, S., Bisson, L. J., Collins, J., Sikka, R., Winder, N., et al. (2017, Setembro 27). Seven tips for developing and maintaining a high performance sports medicine team. British Journal of Sports Medicine .
[7]
Impellizzeri, F. (2018). Social Media in Sport Science and Medicine: With Great Power Comes Great Responsibility. International Journal of Sports Physiology and Performance .

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