Bloopers
Corre sempre tudo bem.... Excepto quando não corre.Porque na Ciência os não-significativos também interessam, e porque a Fisioterapia imita a vida, porque em ambas os erros também fazem parte, às vezes poderá ser útil partilhar os falhanços.

Hoje gostava de parilhar um caso... O meu primeiro caso a sério. Porque é sempre tudo muito bonito quando corre tudo bem... Só que nem sempre é tudo muito bonito.
Era uma vez um treino de não-convocados pelo qual eu estava responsável. A certo momento, um atleta começou aos gritos e foi encaminhado para o Dept. Médico, cheio de dores na tibio-társica.
Após recolha dos dados da lesão, como o local da dor e o mecanismo de lesão, e por ausência de sinais de Ottawa para a realização de radiografia, o atleta foi libertado e instruído a apresentar-se no dia seguinte.
Pancada na face externa da perna, pé preso em flexão plantar, rotação externa e mecanismo de eversão. Para mim era claro: confirmado pela dor nos testes de flexão plantar, pronação e o combinado de eversão, dor à palpação na região medial do pé (em quase toda, na verdade, mas depreendi que fosse do trauma), tratava-se de uma entorse (relativamente séria, grau 2) do compartimento medial da tibio-társica, do Ligamento Deltóide.
Um caso delicado do ponto de vista burocrático e administrativo, com o atleta a não contar para as contas do plantel mas a ter de permanecer no clube, nuns dias motivados, noutros dias nem por isso.
À medida que os critérios eram ultrapassados, o atleta ficava melhor. Mas regressado ao campo, a queixa mantinha-se, nas mudanças de direção laterais. Estávamos com aproximadamente 3 semanas.
Resumindo, estava na altura do atleta ter alta, ligadura funcional na tibio-tarsica e voltar a treinar mas o atleta continuava incapaz. "Esta situação toda, não está a ser nada cooperante". Achava eu que o problema estava no atleta...

O ano terminou, não vi mais o atleta.
Já muito tempo depois, quando discutia fisiopatologia do membro inferior deparei-me com a articulação da sindesmose tibio-társica. Ao que parece, havia uma articulação entre a tíbia e o perónio que também se pode lesionar.
Ao que parece, a lesão dessa articulação dá-se por flexão plantar e rotação externa. Geralmente com o pé preso e pancada na face externa. Sem fratura.
E também ao que parece, é natural que não esteja bem após 4 semanas, uma vez que tem um prognóstico 2 a 4 vezes pior que uma entorse da tibio-társica baixa.
Resumindo... Ao que parece, quem estava totalmente errado... Era eu,

Tudo isto para referir que só muito tempo depois me apercebi que, no meu primeiro caso a sério na Medicina Desportiva, falhei redondamente.
Isto obriga a alguma reflexão.
Para além do óbvio facto de que nem sempre tudo vai correr bem, obriga a pensar no facto de que o nosso conhecimento está limitado ao que conhecemos - ao que vemos, ouvimos e lemos. Temos de ter a humildade de reconhecer que há muito que não sabemos, e tentar integrar o que vamos aprendendo com a base do nosso conhecimento - tudo isto para que um dia possamos olhar para trás e refletir nos erros que cometemos.
Por fim, temos também de perceber que cometer erros, por si só, não chega. Interessa errar mas pensar no porquê e no como. E na forma em como esse erro nos pode ajudar a crescer.
Fazer muitas operações matemáticas não nos torna mais capazes de as fazer. Fazer mais operações matemáticas bem, cometendo erros mas corrigindo-os, sim.

@hannahmoves
Practice doesn't make perfect. Perfect Practice makes perfect.
Não treines até acertares. Treina até não falhares.