A equipa Multidisciplinar e o Fisioterapeuta

18-11-2018

Discutimos frequentemente a importância da integração do Fisioterapeuta numa equipa multidisciplinar quer pela otimização dos cuidados proporcionados ao atleta que advêm da nossa inclusão, quer pelos benefícios coletivos de uma abordagem multidisciplinar. Contudo, para além disto, a verdade é que esta multidisciplinaridade pode trazer benefícios também à própria prática profissional do Fisioterapeuta. De que forma os diversos profissionais podem potenciar o nosso trabalho?

No Desporto, e na Medicina Desportiva em particular, existe uma infinidade de fatores e parâmetros que têm de ser tidos em conta na busca pelo rendimento do atleta.

Por este motivo, e por serem tantas as necessidades a suprir no atleta, nunca é apenas um par de olhos a olhar para o atleta: antes, todos os profissionais que com ele trabalham têm uma visão e uma perspetiva diferentes, que vêm do seu background, das suas prioridades laborais e das suas competências profissionais.

Posto isto, com tantos fatores confundidores, e tendo em conta o trabalho que o Fisioterapeuta tenta desenvolver com o atleta, será que o facto de haver tantas perspetivas diferentes para o mesmo atleta é um fator facilitador ou  confundidor do nosso trabalho? 

Será que haver tantas opiniões profissionais não acaba por deturpar a missão global que é o potenciar do rendimento do atleta?

Corinne Reid, Evan Stewart and Greg Thorne (2004) Multidisciplinary Sport Science Teams in Elite Sport: Comprehensive Servicingor Conflict and Confusion?; The Sport Psychologist, 2004, 18, 204-217

Para escrutinar isto, antes de mais é necessário definir o âmbito de intervenção do fisioterapeuta

De forma geral, é relativamente consensual que o fisioterapeuta desportivo deve atuar ao nível da prevenção e reabilitação de lesões desportivas.



De forma a ilustrar cada uma destas áreas de intervenção, utilizou-se a Pirâmide de Prevenção proposta por Coles (cujo nome discutido deveria ser Pirâmide de Redução de Lesões), e o Cronograma de Reabilitação de Lesões Musculares proposto aqui https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/cronograma-da-reabilitacao-de-lesoes-musculares/.


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De forma a alargar o espectro do tipo de lesão, definiu-se uma timeline que vai desde o momento da lesão até ao momento em que o atleta retorna à atividade desportiva, adaptada proposta na apresentação Bridging the Gap: Rehab & Performance de Luis Mesquita.  

Assim, estando estabelecido que estes definem o espectro de ação do Fisioterapeuta, é agora possível definir onde, quando, e em que medida, os diversos profissionais inseridos numa equipa multidisciplinar poderão auxiliar-nos no nosso trabalho em cada uma das vertentes, facilitando-o.

Para isto, está assinalada com um círculo a hierarquia da pirâmide onde determinado profissional pode atuar, assim como demarcado na timeiine da reabiltação a zona temporal sob a qual o mesmo tem influência. Para além disso, de forma a denotar a influência relativa que este tem, quanto maior for esta influência, maior a grossura da barra correspondente. 

O Fisioterapeuta pode, e deve, atuar ou participar em todas e ao longo de toda a reabilitação.


Enfermeiro

O enfermeiro é o profissional especializado para se encontrar em campo. Muitas vezes, esta intervenção está ao encargo do fisioterapeuta, contudo este não é o profissional mais apto em termos de competências para a intervenção imediata, ainda que os seus conhecimentos de patomecânica se tornem importantes para reconhecer o mecanismo de lesão, fornecendo informações importantes para a preparação e desenrolar da intervenção.
Desta forma, o ideal era que fosse o enfermeiro, elemento especializado para intervir em situações traumáticas (ortopédicas ou não) a estar em campo,  apoiando o fisioterapeuta num momento prematuro da avaliação e reabiltação, auxiliando no que diz respeito ao estabelecimento do nosso diagnóstico funcional.  

Rebecca Mitchell, Caroline Finch, Soufiane Boufous and Gary Brown (2009) Examination of triage nurse text narratives to identify sports injury cases in emergency department presentations, International Journal of Injury Control and Safety Promotion 


Técnico de Imagiologia

Após a lesão, e em casos em que esta se manifeste de forma dúbia, um exame imagiológico detalhado, feito por um profissional sensível a lesões musculares, pode ser um fator altamente diferenciador no sucesso do processo de avaliação e reabilitação. Este será uma grande mais valia na identificação das estruturas lesionadas, oferecendo dados importantes que poderão influenciar o decorrer de toda a reabilitação. 

Assim este profissional atua ao nível do apoio no diagnóstico, e fá-lo de forma prematura, podendo também, nalguns casos, ser importante no período final da reabilitação para possível estabelecimento de critérios para o retorno à atividade.

Pollock N, James SLJ, Lee JC, et al. (2014) Br J Sports Med Published Online First: 22/08/2018, doi:10.1136/ bjsports-2013-093302 


Médico

O médico é importantíssimo neste processo de reabilitação. Após o exame imagiológico, o médico tem as competências necessárias para o interpretar, estabelecendo então o seu diagnóstico clínico, e sendo uma preciosa ajuda na tomada de decisão acerca do estabelecimento de objetivos para reabilitação

Também este atua ao nível da identificação estrutural, diagnóstico e reabilitação. 

Mueller- Wohlfahrt H-W, Haensel L, Mithoefer K, et al. (2013) Terminology and classification of muscle injuries in sport: The Munich consensus statement Br J Sports Med 2013;47: 342-350.


Nutricionista

A intervenção do nutricionista tem um papel muitas vezes invisível e subvalorizado em atletas lesionados. É reconhecida a sua importância na otimização do treino, mas é negligenciada ou ignorada a sua influência durante a reabilitação. Na verdade, este pode ser altamente útil nas diversas fases da reabilitação e retorno de um atleta dado que a sua influência, em conjugação com o estabelecimento e progressão do protocolo do intervenção, é algo muitas vezes olvidado pelas equipas de reabilitação mas que pode ser um fator diferenciador na dinâmica de recuperação do atleta.
Assim, o nutricionista tem um papel permanente de auxílio e potenciação do trabalho do fisioterapeuta no processo de reabilitação - para além do já referido no desenvolvimento atlético.

Benjamin T. Wall, James P. Morton & Luc J. C. van Loon (2014): Strategies to maintain skeletal muscle mass in the injured athlete: Nutritional considerations and exercise mimetics, European Journal of Sport Science, DOI: 10.1080/17461391.2014.936326 

Kevin D. Tipton (2015) Nutritional Support for Exercise-Induced Injuries, Sports Medicine, DOI 10.1007/s40279-015-0398-4

Jordan Milsom, Paulo Barreira, Darren J. Burgess, Zafar Iqbal and James P. Morton (2014) Case Study: Muscle Atrophy and Hypertrophy in a Premier League Soccer Player During Rehabilitation From ACL Injury; International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, 2014, 24, 543 -552, https://dx.doi.org/10.1123/ijsnem.2013-0209


Preparador Físico

Atletas mais aptos têm menor risco de lesão. Sendo o preparador físico o elemento do staff especialista em melhorar as capacidades físicas dos atletas, este será fundamental para o fisioterapeuta no auxílio que providenciará na prevenção ao prescrever os planos de reforço muscular e ao dar o seu feedback acerca do return to play, tendo uma participação fundamental na fase final da reabilitação e na manutenção deste condicionamento do atleta

Shane Malone, Adam Owen, Bruno Mendes, Brian Hughes, Kieran Collins,Tim J. Gabbett (2017) High-speed running and sprinting as an injury risk factor in soccer:Can well-developed physical qualities reduce the risk?, Journal of Science and Medicine in Sport, https://dx.doi.org/10.1016/j.jsams.2017.05.016


Treinador

O que a Ciência na Medicina Desportiva nos indica atualmente é que o principal fator de risco para lesões não-traumáticas no desporto é a gestão das cargas. Nesta medida, o treinador é então o principal agente desportivo capaz de as evitar, dado que ainda que não tenha necessariamente de ser ele a desenhar os treinos, será sempre ele o responsável pela sua aplicação. Para além disso, tem sido muito estudada a forma como a forma de liderança influencia o número de lesões, e houve uma correlação evidente entre determinadas tipologias de gestão dos recursos humanos e a prevalência de lesão. O treinador é então o principal agente no fim do processo de reabilitação, passando a gestão das cargas e muita da componente emocional do atleta pelo seu crivo. 


E por falar em comunicação...

Como forma de complementar, o que é certo é que não é apenas a comunicação do líder da equipa técnica que influencia a incidência de lesões. 

Cada vez mais é discutida a forma como a comunicação dentro do próprio departamento médico e do departamento médico com os restantes departamentos influencia a taxa de lesões e o seu peso no desempenho da equipa. Neste são especialmente notórias as relações com o treinador e com o departamento de performance

Ekstrand J, Lundqvist D, Davison M, et al. Communication quality between the medical team and the head coach/manager is associated with injury burden and player availability in elite football clubs; Br J Sports Med pub ahead of print: [28 August 2018]. doi:10.1136/ bjsports-2018-099411


Como comunicar dentro do Dept. Médico

De forma a otimizar a mensagem que é passada para fora do Dept. Médico, é necessário que, entre os diversos profissionais que lá atuam, sejamos profícuos e competentes na nossa forma de comunicar, antes de mais, entre nós. Gabbett et al. sugerem algumas atitudes a ter de forma a abordar esta questão, tornando-nos mais capazes de resolver os problemas internamente, capacitando-nos assim a veicular uma mensagem de união e coesão.

Tim J Gabbett, Simon Kearney, Leslie J Bisson, Joe Collins, Robby Sikka, Nathan Winder, Craig Sedgwick, Ed Hollis, Jeremy M Bettle; Seven tips for developing and maintaining a high performance sports medicine team, Br J Sports Med, 2017


Veredicto

Ponderando então as valências, capacidades e formas de atuação dos diversos profissionais, é então possível afirmar que o trabalho multidisciplinar é um fator altamente benéfico para a recuperação do atleta no geral e, em particular, um grande facilitador do trabalho individualizado de cada profissional nele inserido.

Esta perspetiva multidisciplinar deve, contudo, obedecer a determinados pressupostos de respeito e autonomia, que, para não serem ultrapassados, implicam o conhecimento detalhado do próprio trabalho e do trabalho dos restantes, bem como da forma como estes funcionam numa dinâmica coletiva.


Na prática

De forma a verificar como isto é implementável na prática, fica abaixo um artigo no qual é proposta uma intervenção em contexto de desportos singulares ou coletivos, e na qual participam, autónoma mas concomitantemente, diversos profissionais, cada um com as suas valências.


Bibliografia

  • Corinne Reid, Evan Stewart and Greg Thorne (2004) Multidisciplinary Sport Science Teams in Elite Sport: Comprehensive Servicingor Conflict and Confusion?; The Sport Psychologist, 2004, 18, 204-217
  • Rebecca Mitchell, Caroline Finch, Soufiane Boufous and Gary Brown (2009) Examination of triage nurse text narratives to identify sports injury cases in emergency department presentations, International Journal of Injury Control and Safety Promotion
  • Benjamin T. Wall, James P. Morton & Luc J. C. van Loon (2014): Strategies to maintain skeletal muscle mass in the injured athlete: Nutritional considerations and exercise mimetics, European Journal of Sport Science, DOI: 10.1080/17461391.2014.936326
  • Jordan Milsom, Paulo Barreira, Darren J. Burgess, Zafar Iqbal and James P. Morton (2014) Case Study: Muscle Atrophy and Hypertrophy in a Premier League Soccer Player During Rehabilitation From ACL Injury; International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, 2014, 24, 543 -552, https://dx.doi.org/10.1123/ijsnem.2013-0209
  • Mueller- Wohlfahrt H-W, Haensel L, Mithoefer K, et al. (2013) Terminology and classification of muscle injuries in sport: The Munich consensus statement Br J Sports Med 2013;47: 342-350.
  • Philip Alexander Coles (2017) An injury prevention pyramid for elite sports teams, British Journal of Sports Medicine, 10.1136/bjsports-2016-096697 
  • Pollock N, James SLJ, Lee JC, et al. (2014) Br J Sports Med Published Online First: 22/08/2018, doi:10.1136/ bjsports-2013-093302
  • Kevin D. Tipton (2015) Nutritional Support for Exercise-Induced Injuries, Sports Medicine, DOI 10.1007/s40279-015-0398-4
  • Shane Malone, Adam Owen, Bruno Mendes, Brian Hughes, Kieran Collins,Tim J. Gabbett (2017) High-speed running and sprinting as an injury risk factor in soccer: Can well-developed physical qualities reduce the risk?, Journal of Science and Medicine in Sport, https://dx.doi.org/10.1016/j.jsams.2017.05.016
  • Jan Ekstrand, Daniel Lundqvist, Lars Lagerbäck, Marc Vouillamoz, Niki Papadimitiou, Jon Karlsson (2017) Is there a correlation between coaches' leadership styles and injuries in elite football teams? A study of 36 elite teams in 17 countries, British Journal of Sports Medicine, 52:527-531. doi:10.1136/bjsports-2017-098001
  • Iñigo Mujika, Shona Halson, Louise M. Burke, Gloria Balagué and Damian Farrow (2018) An Integrated, Multifactorial Approach to Periodization for Optimal Performance in Individual and Team Sports, International Journal of Sports Physiology and Performance, 2018, 13, 538-561, https://doi.org/10.1123/ijspp.2018-0093
  • Ashton H. Are we sports physiotherapists working as a team as well as we could? Br J Sports Med 2016;50:257.
  • Ekstrand J, Lundqvist D, Davison M, et al. Communication quality between the medical team and the head coach/manager is associated with injury burden and player availability in elite football clubs; Br J Sports Med pub ahead of print: [28 August 2018]. doi:10.1136/ bjsports-2018-099411 
  • Tim J Gabbett, Simon Kearney, Leslie J Bisson, Joe Collins, Robby Sikka, Nathan Winder, Craig Sedgwick, Ed Hollis, Jeremy M Bettle; Seven tips for developing and maintaining a high performance sports medicine team, Br J Sports Med, 2017 

Apresentação preparada no âmbito de uma comunicação (não realizada) no XIV Congresso da Sociedade Portuguesa de Medicina Desportiva a 15,16 e 17 de Novembro de 2018 em Braga (disponibilizada abaixo)

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