Ser fisioterapeuta na vida de uma equipa profissional
Discutimos muitas vezes as tarefas, funções e missões do fisioterapeuta em contexto desportivo. Debatemos as suas competências aqui (https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/comunicacao-em-fisioterapia-desportiva/) e a forma como o próprio deve ser o primeiro a tentar refletir na sua própria prática e na forma como pode influenciar positivamente o ambiente profissional em que está inserido. Mas... e na prática? Olhemos para o dia-a-dia de um atleta e falemos sobre onde, e como, o fisioterapeuta tem jurisdição; a que horas começa, e a que horas acaba a sua intervenção; e porque é, afinal, tão importante como tentamos transmitir tão recorrentemente.
Uma das vantagens de vivermos na era da comunicação, e também tendo em conta que não há dúvida de que os principais ativos e figuras mais importantes de um clube são os seus jogadores/atletas. é a forma como esses e os seus clubes partilham material relativo à forma como vivem o seu dia-a-dia, nomeadamente nas redes sociais. Um dos exemplos mais felizes desta dinâmica de marketing, publicidade e benchmarking é o Norwich City Football Club, clube inglês que de momento participa no Championship (equivalente à Segunda Divisão Portuguesa), num vídeo que reproduz o dia do defesa Russell Martin.
Assim, atentemos no seguinte vídeo:
É curioso refletir sobre algo neste vídeo que passa quase transversalmente ao lado de quem pensa saber, e principalmente é responsável por avaliar, qual o trabalho de um fisioterapeuta no desporto: de forma direta ou indireta, o fisioterapeuta está em praticamente todas as dinâmicas diárias do atletas, sendo que a sua expertise, os seus conhecimentos e o seu cuidado está presente desde o momento em que o primeiro atleta chega até que o último vai embora.
Antes, duas ressalvas:
- É verdade que nem todos os fisioterapeutas trabalham em contexto profissional... contudo, a forma como abordamos a nossa função pode - e deve - sê-lo em qualquer que seja o contexto.
- Algo que será certo é que nem todos os fisioterapeutas, e muito menos as entidades em que estes trabalham, reúnem condições para aplicar muitas das estratégias que foram vistas no vídeo... Mas, não podendo aplicar as mesmas, poderão aplicar algumas semelhantes, com o mesmo fim, ainda que eventualmente não tão eficazes por contingências contextuais. Para estes casos, faremos a sugestão de algumas alternativas a adoptar para que não sejam as limitações do clube a ditar aquilo em que o Fisioterapeuta pode, ou não, intervir.
Por conveniência de análise, iremos dividir o dia competitivo dos atletas em 3 partes: o pré-treino, o treino, e o pós-treino,
Pré-Treino
O dia começa com a chegada do atleta às instalações por volta das 8h45. Após equipar-se, o atleta cumpre as primeiras tarefas do dia com a pesagem e a realização de alguns testes físicos (neste caso o sit and reach, o groin squeeze e a realização de testes através de um software digital com movimentos pré-definidos, sendo possível no vídeo observar o overhead squat e a flexão dorsal do MI esquerdo). Para além disso, o atleta preenche através de um tablet um questionário acerca da aptidão para treinar e do estado de saúde global.
De seguida, são retiradas análises sanguíneas e à urina, medida a frequência cardíaca em repouso e o atleta toma a suplementação vitamínica prescrita antes de se dirigir ao pequeno-almoço por volta das 9h15.

Segue-se então a deslocação ao ginásio, onde os atletas cumprem um pequeno plano personalizado de pré-ativação. Posteriormente, dirigem-se ao Dept. Médico para o trabalho específico com o fisioterapeuta (que no vídeo tem o redutor nome de ligaduras e massagem).


Treino
Pouco antes das 11h, os atletas deslocam-se ao campo, onde irão fazer alguns exercícios dinâmicos de ativação, já monitorizados com o sistema de tracking. Terminada esta fase, aquecem e iniciam o treino.

Por fim, se necessário, os atletas realizam trabalho de campo individualizado específico.

Pós-Treino
Após o término do treino, os atletas recolhem novamente aos balneários. Neste caso em particular, realizam uma sessão de crioterapia como medida de recuperação.

Por volta das 13h15, os atletas dirigem-se ao almoço e às 14h15 t~em uma sessão de treino de força e redução de lesões.


Terminada a sessão, o atleta toma a suplementação proteica que lhe está destinada e, por fim, recebe um feedback acerca do seu rendimento físico no treino, a par de uma bebida destinada á recuperação.

Sendo então que o atleta abandona o seu local de trabalho por volta das 15h30, podemos aferir que o fisioterapeuta o faz também por volta da mesma hora.
Isto faz com que o fisioterapeuta tenha tido uma influência nos seguintes momentos e ao longo de todos eles.
8h45 - observação e interpretação dos dados diários do atleta (físicos e de readiness e wellness)
9h15 - aplicação de planos individualizados de ativação
10h - trabalho de posto médico
11h - preparação de material e aprovisonamento aos atletas em contexto de treino,; influência no trabalho complementar
12h45 - aplicação e recomendação de estratégias de recuperação
14h15 - aplicação de planos de redução de lesões
15h30 - comunicação aos atletas da sua performance física
O profissinalismo de espírito
Como iniciámos o texto a referir, a forma profissional como o fisioterapeuta aborda o seu trabalho não deve depender do contexto, mas sim da sua vontade de fazer as coisas bem.
Agora que já vimos como funciona quando o contexto estão tão bem mecanizado, onde há acesso a recursos tão perfeitos, e no qual existe tudo e mais alguma coisa, resta a pergunta: e como posso fazer o mesmo, com menos? Esta questão já foi respondida, de forma bastante prolongada, aqui (https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/fazer-os-99/).
Vamos então sugerir algumas alternativas onde, sem os mesmos meios, possamos atingir os mesmos fins.
10h00 - o fisioterapeuta terá, naturalmente, de possuir o material mínimo necessário para alguma tarefas, como as ligaduras funcionais. Aparte disso, em qualquer caso de dor local ou queixa específica, o fisioterapeuta possui as mãos e, mais importante, a cabeça e a capacidade de raciocínio clínico. Tal como na ativação, o fisioterapeuta pode indicar exercício que supram a necessidade referida pelos atletas - muitas das vezes não se trata necessariamente de exercício mas sim de movimento. Isto é bom para reiterar a importância secundária de ferramentas mais dispendiosas como eletroterapia.
11h00 - o fisioterapeuta deverá ter o material necessário para intervenção imediata, mas precisamos de ressalvar novamente a não-especificidade da formação de base do fisioterapeuta neste contexto. Ainda assim, como material necessário, estabelece-se uma mala de primeiros socorros onde constem materiais para o fisioterapeuta poder desinfetar feridas expostas ou eventualmente ligar segmentos do atleta. O spray frio não passa de uma comodidade e para emergências o fisioterapeuta deve ter o telemóvel não deve resistir em ligar para o 112. Também é necessário que o fisioterapeuta tenha acesso a água para providenciar aos atletas. No que diz respeito à carga imposta aos atletas, o conseguido na realidade mais profissional através do sistema GPS, o fisioterapeuta só pode esforçar-se por ter os conhecimentos e procurar sensibilizar a equipa técnica, estando atento a eventuais queixas ou sintomatologia referida pelos atletas. Também aqui https://fisioterapia-desportiva-com-evidencia.webnode.pt/l/fazer-os-99/ se encontra mais informação sobre o assunto.
12h45 - a sensibilização para uma alimentação correta e descanso apropriado custa literalmente 0 recursos, ou seja, é necessário apenas o nosso conhecimento. Aparte disto, nenhuma das outras estratégias de recuperação necessita de ser particularmente dispendiosa; precisamos apenas de estar alertas para o processo, em vez de lamentar não termos uma arca de crioterapia de 300 mil euros.
14h15 - onde não podemos inventar grande coisa sem material é na exposição dos atletas a treino de força. Contudo, está relativamente bem estudada a forma como a realização de alguns procedimentos específicos pode diminuir o risco de lesões (como o aquecimento FIFA 11+ ou um plano global de nordic hamstring curl, ainda que seja tudo teoria muito assente em evidência relativamente fraca). É só necessário sensibilizar jogadores e equipa técnica para o efeito, juntando-o ao final do treino ou ao plano individual inicial pré-treino.
15h30 - sair mais tarde um bocadinho é percorrer o extra mile mas, mais tarde ou mais cedo, seremos valorizados por isso por quem interessa: os jogadores.
E assim é. Assim é a forma de se viver em contexto profissional e assim é a forma de mostrar que o fisioterapeuta importa: somos os primeiros a chegar e os últimos a sair; quando não estamos a trabalhar diretamente com o atleta, estamos ou a supervisioná-lo, ou a recolher ou aplicar informação que vai influenciar o seu trabalho. E isto não tem a ver com o contexto; apenas com o orgulho e amor à camisola com que dizemos que somos fisioterapeutas no desporto. E, nunca menosprezem... Com o conhecimento que lhe está inerente.
Sejamos todos "profissionais" e vejamos a profissão ser reconhecida, tal como, como é possível verificar, merece.
