Estudante que fui, Fisioterapeuta que sou... E tudo mudou.

08-01-2019

Há muitas coisas que o nosso percurso nos dá, e às vezes é bom pensar sobre elas, não só numa perspetiva do exercício profissional, mas numa abordagem mais global. 

Uma reflexão mais generalista, menos técnica e bem mais pessoal às diversas fases de iniciação, maturação e crescimento pessoal e, consequentemente, profissional.


Não sou muito de expôr os meus dilemas pessoais (o que é duvidoso de se dizer, uma vez que os dilemas profissionais também são pessoais) em fórum público, mas afinal, se com eles puder ajudar alguém, é exatamente para isso que eles servem.

Quando iniciei este projeto da Fisioterapia Desportiva com Evidência, iniciei-o com alguns propósitos.  Sem nenhuma ordem em concreto, queria com ele estimular-me a procurar, ler, e escrever sobre o assunto, fazer os meus pares refletir sobre o caminho que a Fisioterapia estava a tomar, promover um espaço de discussão informada mas, acima de tudo, providenciar um espaço que, com o meu crescimento, fui entendendo que faltava - algo que abordasse a Fisioterapia inicialmente nas suas vertentes mais filosófica e científica, e posteriormente, mais prática: um sítio onde pudesse, hipoteticamente,  também eu ter vindo tirar dúvidas um dia em que andasse à procura de alguma informação em concreto acerca do estado-da-arte.


Vida Académica

Importa se calhar começar pelo fim, uma vez que a parte final do meu percurso académico reflete bem o todo.

Quando terminei a licenciatura em meados de 2017 na minha acarinha Escola Superior de Saúde do Porto, há cerca de um ano e meio, o futuro era relativamente menos desconfortável do que seria à partida para um recém-licenciado. Devido ao famoso networking, iniciei a minha atividade laboral na véspera de defender a minha (muito pobre) tese de licenciatura. Com o convite do Dr. Hugo Coutinho, médico do Leixões, tinha sido convidado para trabalhar num clube de 2ª Liga, o que, para um recém-licenciado que ambicionava fazer vida do mundo da Fisioterapia no Desporto, se afigurava um excelente início. 

Tudo começou quando, em 2013, fiz o que me parecia impossível - depois de quase uma licenciatura terminada, e uma série de burocracia e sorte pelo meio, estava mesmo na licenciatura de Fisioterapia. Depois, em 2016, fiz o que imaginara ainda menos - entrar em contexto prático com Educação Clínica. E por fim, em 2017, algo que, 4 anos antes, era surreal - estava licenciado.

Ao longo de toda esta dinâmica de eventos, as coisas pareciam sempre muito longe umas das outras; nunca senti o atingir de determinados checkpoints; nunca me imaginava na fase seguinte; nunca me esforcei genuinamente para nada e sempre tive a sorte de as coisas irem aparecendo feitas: devido ao meu facilitismo, e aproveitando a permeabilidade do sistema, fui sempre passando entre os pingos da chuva e acabei com notas aceitáveis - não me entendam mal, considero-me uma pessoa inteligente mas, e talvez precisamente por isso, nunca tive de suar para conseguir a licenciatura. Não digo isto em bicos de pés, mas antes com vergonha, quanto mais não seja porque hoje sei o quão prazeroso pode ser a concretização do esforço realizado. 

Penso que importa referir que nunca é um one-sided problem, ou, se são mais gráficos, são sempre precisos dois para dançar a valsa: o que quero com isto dizer é que a minha preguiça, desinteresse, apatia e alheamento enquanto estudante de uma área disciplinar não tem desculpa, ainda que também acredite que o sistema não está feito para pessoas intuitivamente curiosas, especialmente em determinados temas, seja explorado.

O que a Ciência me ensinou entretanto é que a existência de uma correlação não explica necessariamente uma causalidade: tivesse o sistema estado mais apetrechado, teria eu (e outros como eu) sido mais interessado? Ou se logo à partida eu (e outros como eu) fosse mais interessado, teria sido o sistema mais envolvente comigo? Não creio que haja respostas concretas para estas observações a posteriori.

É possível elencar uma série de coisas que fui aprendendo ao longo da vida académica, que no fundo acabam por só fazer sentido muito tempo depois: um melhor aluno será um melhor profissional? Vou mesmo ter de usar tudo o que aprendo? Existem aulas inúteis? Quão preparado vou estar quando sair do ensino superior?

Sucintamente, não creio que um aluno melhor em termos de resultados vá ser melhor profissional. A minha luta com a falta de capacitação dos estudantes (e das pessoas em geral) em termos de reflexão, auto e hetero, em termos culturais, em termos de banalização do intelecto, parece-me justificada. É certo que é injusto identificar os docentes como responsáveis absolutos, e até mesmo parciais, deste fenómeno, mas o que é inquestionável é a incapacidade do sistema de explorar as potencialidade de cada um (já vem desde trás e entendo que haja causas ideológicas, políticas, financeiras, etc.) Irei explorar um pouco isto mais à frente.

Outra das coisas que o Método Científico me ensinou é que interessa tanto - ou mais - o caminho como o destino; preciso de uma boa metodologia para as respostas serem confiáveis, assim como preciso de um processo pedagógico capacitador e que suscite entusiasmo para os resultados dele serem positivos.

Como consequência, também é certo que nem tudo o que vou aprender será utilizado da mesma forma - mas o que também hoje sei é que não somos certamente nós, enquanto estudantes, que saberemos isso! Tinha razão quando o dizia, só não sabia em que medida: se calhar, hoje trocaria algumas das aulas a que fui, por algumas a que não fui. Adivinhem: o segredo é ir a todas, com espírito empreendedor e com vontade de aprender. Haverá tempo para compreender o que interessa ou não - não pensem à partida que a CIF e bioestatística são inúteis e que as práticas de manipulação são fundamentais...

Gostava só de salientar que, mesmo assim, até aqui fui um privilegiado: a metodologia de ensino em PBL (Problem-Based Learning) poderia, nas condições certas, ter feito maravilhas à minha procura de informação (in)útil... Contudo, não foi bem o caso.


Vida Profissional

Tendo começado a "trabalhar" ainda antes de ser licenciado, posso ser taxativo ao responder se estamos preparados quando saímos da licenciatura: não.

No meu caso em concreto, esta foi alías uma das razões que me fez iniciar este espaço - a completa e total incapacidade de pensar e executar o dia-a-dia de um Fisioterapeuta a trabalhar em conformidade com o seu corpo de saberes, num clube profissional de futebol - ou de outro desporto qualquer, na verdade.

Ao longo deste ano e meio, cresci exponencialmente enquanto profissional e sinto que mudei radicalmente enquanto pessoa; tornei-me mais tolerante e ao mesmo tempo mais crítico (ainda) fruto talvez de um mindset mais científico, que em vez de me levar a ter a certeza das respostas, me levou a tentar compreender o método;  compreendi que, como referi acima, nada se consegue sem esforço. Compreendi que não devemos ser levianos, mas que aquilo que dizemos não pode, nem vai, perseguiir-nos para sempre.

Nunca ninguém, se arrependeu de dar o seu máximo.

Contactei com muitos outros profissionais, uns melhores, outros piores, alguns com abordagens profissionais semelhantes à minha, mas muitos mais com abordagens diferentes, das quais aprendi a reter o necessário.

Utilizei muiito as redes sociais para discussões profissionais; umas vezes com razão, outras sem. Numas vezes vi a minha razão ser reconhecida, noutras não; noutras tantas fui enxovalhado.  Falhei, falhei outra vez, falhei melhor.

Falo com a autoridade de quem sabe o que diz, quando muitas vez não o sei explicar tão bem quanto gostaria. Aprendi a comunicar no meio do desporto e a compreender (com dificuldade) que cada macaco no seu galho - mas não deixei de dizer quando achava que as coisas estavam mal feitas.

Falhei, redondamente, o primeiro caso relevante que tive de avaliar e intervir na íntegra. Orgulho-me de saber, hoje, que falhei.

Leio hoje mais material de Fisioterapia por dia do que li na vida académica toda. Sou infinitamente mais interessado. Sou melhor Fisioterapeuta. Melhor do que fui ontem, e, espero eu, pior do que serei amanhã.

Tenho um complexo sério com a minha idade - tenho a infeliz tendência de comparar o meu percurso ao das outras pessoas. Não o façam. O vosso sinal comparável são vocês mesmos.

Agora, em 2019, muitos desafios estão para trás das costas, alguns superados, outros infelizmente, por um motivo ou por outro, descontinuados. Outros, estão em stand-by. Novos estão pela frente. Objetivos ambiciosos e assustadores, porque se não forem tão grandes que até assustam, ão chegam.

Objetivos tão ambiciosos que não se consegue dormir de noite.

Ainda é cedo para os anunciar, mas sei que quem viesse a saber o que está pela frente, teria facilidade em censurar-me. Quem não me conhece como profissional, quem me viu no meu percurso, desacreditaria o que posso vir a fazer. E isto nao se trata de mim, é uma questão de princípio. Mas também aprendi que temos, todos, a obrigação de lhes provar o oposto: quando, um dia, vos disserem que saindo dali nunca vão sobreviver noutro lado, respondam "veremos".

Um bom 2019 a todos. Não só na Fisioterapia, mas em tudo. Que se excedam a cada dia. Que acordem 10 minutos mais cedo por dia até acordarem à hora que querem. Que comecem com uma flexão e façam uma por dia a mais até ficarem como querem. Que leiam 10 páginas de um livro por dia. Que jantem mais vezes fora. Que sejam mais felizes. Que provem mais gente errada. Que sejam mais fortes. Que sejam mais capazes. Que sejam mais gente.

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